Talvez
seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2012/09/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg_28.html antes de ler esta postagem:
O depoimento do dia 28 de abril de 1584 foi bem
longo... Sentindo-se à vontade para falar, Menocchio fez diversas
declarações...
Destemidamente, como quem
faz denúncias (e não como quem se defende) protestou contra a opressão de ricos
sobre pobres, evidenciando que o uso do latim, língua desconhecido pelos
desfavorecidos, nos tribunais era uma “traição aos pobres”, que não tinham como
saber se estavam sendo enganados quando as pendengas eram discutidas... Não
bastasse isso, ainda necessitavam de um advogado para poder manifestar
“minúscula defesa”... Falou também da riqueza ostentada pelos padres e pelo
papa... “Tudo pertence à Igreja”!... Campos
arrendados pelos pobres normalmente pertenciam a algum bispo ou cardeal...
Ginzburg registra que não se sabe quem era proprietário dos campos arrendados
por Menocchio, além de destacar que (aparentemente) seu latim “restringia-se ao
Credo e ao Pater Noster aprendidos na época em que colaborava nas missas... O
autor admite que embora as citações do acusado levam-nos a crer que se tratava
da própria experiência, elas estavam de acordo com a realidade da massa
camponesa.
A ideia de religião que
Menocchio defendia estava muito afastada das pompas observadas nos cerimoniais
e cotidianos da gente do clero de seu tempo. Além disso, demonstrava ser
desnecessária a observância de complicados dogmas... Para ele, os cristãos não
tinham o “privilégio das bênçãos divinas”, pois Deus “distribui o Espírito
Santo para todos” (aí incluídos heréticos, turcos, judeus...). Sabemos que
palavras como essas, usadas como pontos de vista naquele tempo de intolerância
da Igreja, levariam Menocchio a sofrer as piores consequências.
Mas ele não se limitou a esses conceitos. Dirigindo-se diretamente às
autoridades do Santo Ofício, disse que “padres e frades querem saber mais do
que Deus”... Dessa forma, segundo o seu juízo, se equiparavam ao demônio, pois
queriam se passar por Deus na terra... Ele ainda disparou que aqueles que
pensam que sabem muito são os que nada sabem.
Se você acha que ele
aumentou a temperatura do fogo que certamente o queimaria, ficará ainda mais
surpreso com a ousadia (empolgação ou loucura) de Menocchio... Ele declarou que
recusava os sacramentos porque todos eram invenções humanas, que serviam para o
clero explorar os pobres... Segundo ele, ninguém precisava ser batizado porque,
ao nascermos, Deus já nos batizou.
De acordo com suas idéias: Os sacramentos seriam
invenções dos padres... O Batismo “nos leva a um vínculo religioso que só nos
prejudica”... Os padres “comem a nossa alma” desde antes do nascimento até a
morte; a Confirmação (Crisma) também é outra mercadoria porque todos já possuem
o Espírito Santo (e argumentou ainda que, buscando saber tudo, não sabemos nada);
o Matrimônio é outra invenção humana porque bastaria que o casal trocasse suas
promessas de companheirismo e fidelidade como nos tempos antigos; a Ordem
(sacerdotal) é algo totalmente desnecessário porque qualquer um que tivesse
estudado (e se fosse seu desejo) poderia se tornar padre “sem se consagrar”, porque
isso também é mercadoria; a Extrema Unção não tem valor algum porque de nada
adianta ungir o corpo se “o espírito não pode ser ungido”; sobre a Confissão,
dizia que falar com um padre sobre os pecados ou conversar com uma árvore, para
obter perdão dos pecados, dá no mesmo... Os padres teriam de confessar-se com
Deus, no íntimo de seus corações, para obter perdão.
O Santo Ofício sabia, a
partir de depoimento do vigário de Polcenigo, que o acusado desprezava as
hóstias... Numa certa ocasião referiu-se a elas como “bestas”... O padre Andrea
Bionima também declarou que Menocchio falara que Deus não poderia estar
naqueles pedaços de massa...
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2012/10/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg_6.html
Leia: O Queijo e os Vermes. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto