sábado, 23 de março de 2013

“O Queijo e os Vermes”, de Carlo Ginzburg – a postura de Menocchio junto aos seus conterrâneos havia sido diferente da que manteve perante as autoridades inquisitoriais; considerações sobre o Espírito Santo; influências de “Trinitatis erroribus”?

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/03/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg.html antes de ler esta postagem:

Foi no Fioretto della Bibbia que Menocchio leu que os anjos foram as primeiras criaturas criadas “da mais nobre matéria”... Pecaram por soberba e por isso perderam seus “lugares especiais” junto a Deus... Também leu neste livro que toda natureza é submissa a Deus, do mesmo modo que o martelo e a bigorna são submissos ao ferreiro que exercita o seu ofício e produz os mais diversos objetos (quem “faz a coisa é o ferreiro”), mas o moleiro não levou isso em conta; materialista como era não admitia a “presença de um Deus criador”... Podia admitir que os seres humanos fossem imagem e semelhança de Deus; que neles há ar, fogo, terra e água... Assim, esses elementos são Deus, do mesmo modo que tudo o que há de belo no mundo é Deus.
Em seu cotidiano seguia propagando entre seus conterrâneos que Deus era mesmo uma “traição da Escritura, que o inventou para nos enganar”... “Deus não é nada além de um pequeno sopro e tudo o mais o que o homem imagina”... Nem Deus nem o Espírito Santo “se mostram”, então Menocchio raciocinava junto aos seus que as entidades estavam mais para invencionices... Porém durante o processo não foi isso o que garantiu... Perante as autoridades respondeu com indignação que ninguém poderia dizer que ele proferira que o Espírito Santo não existe... E ainda: garantia que sua “maior fé neste mundo” estava justamente no Espírito Santo “e na palavra do altíssimo Deus que ilumina o mundo todo”...
Qual seria o verdadeiro Menocchio? Aquele do cotidiano de Montereale, feroz crítico de Deus e das coisas da religião, ou o que se dizia devoto perante os inquisidores? Para muitos, seus depoimentos de crença ardorosa se explicam pelo seu medo e desejo de livrar-se da condenação do tribunal... Isso à parte, é certo que Menocchio não pode ser definido como um tipo prudente... Tanto é que não escondia seu pensamento em relação à “mortalidade da alma”, além disso, negava a divindade de Cristo.
Ao que tudo indica, Menocchio reservava aos seus conterrâneos de Montereale uma “versão simplificada” de seu pensamento. Ao passo que às autoridades inquisitoriais apresentava uma “versão mais complexa”. Não podemos esquecer que ele mesmo dizia que se tivesse oportunidade de falar com o papa, rei ou príncipe, não perderia a ocasião e, se depois o prendessem (e o matassem), não se incomodaria.
Mas sobravam as incoerências das contradições entre as “duas versões”... Se entendermos que as palavras de Menocchio perante as autoridades sintetizavam seu “real pensamento”, temos de refletir sobre a possibilidade (ainda que remota, como propõe Ginzburg) de o moleiro ter conhecido (pelo menos indiretamente) o De Trinitatis erroribus, do médico espanhol Servet... Essa obra cheia de termos filosóficos e teológicos bastante complicados foi introduzida na Itália por volta da metade do século XVI por Giorgio Filaletto (conhecido como Turca ou Turchetto).
Em Trinitatis erroribus temos a ideia da humanidade de Cristo, condição acrescida de divindade graças ao Espírito Santo... Os depoimentos de Menocchio durante o primeiro interrogatório revelaram que, para ele, havia dúvidas se Cristo era Deus, porque podia ser apenas um bom homem, um profeta entre os demais homens... Dessa forma, Cristo seria apenas um ser humano como nós todos... Embora ponderasse que “Deus mandara o Espírito Santo escolhê-lo como filho”.
Inicialmente Servet procurou apresentar definições sobre o Espírito Santo retiradas da própria Escritura... Assim, somos levados a pensar sobre Ele de modos distintos... Em alguns trechos Espírito Santo é o próprio Deus; em outros é entendido como um anjo, “espírito do homem”; “natureza divina de alma”; “impulso da mente”; “o hálito”... Alerta que há diferenças entre sopro e espírito...
Conhecendo um pouco mais do conteúdo de Trinitatis erroribus entenderemos os juízos formulados pelo moleiro.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/03/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg_27.html
Leia: O Queijo e os Vermes. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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