Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/05/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg_20.html
antes de ler esta postagem:
Menocchio acabou
imaginando uma vida após a morte... Falou a respeito do nosso “retorno aos
elementos primordiais”, que compõem tudo o que existe, depois de perecermos...
Mas as suas ideias de “alma mortal” e “espírito imortal” levavam-no à
elaboração de outro sistema para além da vida material.
É claro que a insistente exigência do vigário-geral em querer saber como
é que as almas “retornam à majestade de Deus” (se Ele nada mais é do que “ar,
terra, água e fogo”), deixou Menocchio sem reposta também porque ele não
admitia a ressurreição dos mortos... Ele argumentou que a ressurreição dos
corpos existentes nessa vida seria improvável, pois se assim fosse “céu e terra
ficariam cobertos pelos corpos”... Em sua opinião, “a majestade de Deus verá
nossos corpos com o intelecto, da mesma forma que nós, fechando os olhos e
querendo criar uma coisa, usamos a mente e o intelecto”.
O inferno, segundo ele, era
invenção dos padres... Disse que, em vez de pregarem sobre o inferno, deveriam
falar de paz... Argumentou ter conhecimento de que Davi escreveu os Salmos quando sofria a perseguição de
Saul... E deu a entender que “o verdadeiro inferno é aqui nesta terra”...
Apesar dessas afirmações, caia em contradições ao admitir que as indulgências e
as orações aos mortos fossem bons procedimentos.
O paraíso recebia atenção especial de Menocchio. Ele
seria lugar oposto ao da labuta que enfrentamos no mundo... Nele não há
trabalho ou cansaço... Intelecto, memória, vontade, pensamento crença, fé e
esperança (que nos foram dados por Deus), não seriam necessários no paraíso,
pois que se trata de lugar onde “a matéria se torna dócil, transparente”...
Ainda segundo Menocchio, no paraíso seria possível ver todas as coisas com os
olhos da mente; lá, os “montes e muralhas seriam transpassados”.
Menocchio extraía essa inspiração do paraíso das páginas de Mandeville,
e sobre ele revelava uma descrição maometana: “(...) paraíso é lugar delicado,
onde se encontram todas as frutas de todas as estações, rios sempre cheios de
leite, mel, vinhos e água doce. E (...) lá existem casas belas e nobres segundo
o mérito de cada um, adornadas por pedras preciosas, ouro e prata. Todos terão
suas donzelas, usufruirão delas e cada vez serão mais bonitas...”
Os inquisidores quiseram saber se ele acreditava na existência do
paraíso... O moleiro respondeu que o paraíso terrestre era lugar onde vivem “os
gentis-homens que possuem muitos bens e vivem sem se cansar”.
Nas palavras do próprio Ginzburg, Menocchio “fantasiou a respeito do
paraíso”... A idealização que percebemos é produto da síntese que formulava
acerca de sua realidade... Observava as práticas da instituição católica e as
reprovava. Então desejava um mundo diferente, inteiramente novo, marcado por um
novo modo de viver. Recusava a pompa da Igreja Católica.
Era no passado que o moleiro entendia estar a correção e a perfeição.
Transformar a realidade presente significaria transformar a ordem social e
fazer emergir o “mítico passado”. A degeneração presente em nada se aproximava
das origens: “quando Adão caçava e Eva tecia” (evidentemente) “não havia nobres”.
Menocchio dizia que Cristo não queria as pompas das
missas ministradas pelos padres... A Igreja adequada ao cristianismo era pura e
pobre, a dos primórdios. Para ele, a riqueza e corrupção reinantes tinham de
ser rejeitados por todos... O fato de o processado ter acesso às leituras
possibilitava-lhe a apreciação de um passado que se revelava ideal. As análises
críticas que fazia envolvia a história do mundo desde a criação, sagrado e
profano, mitologia e teologia, batalhas, filósofos, artistas... E isso se
concretizou a partir da leitura de Supplementum,
crônica de Foresti.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/06/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg.html
Leia: O Queijo e os Vermes. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto