Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/05/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir.html
antes de ler esta postagem:
Os passeios de
bicicleta eram mesmo muito agradáveis. As anotações que Anne fazia em seu mapa
se revelavam no trajeto que percorriam no dia seguinte... Henri se encantava
com isso... Os registros apontavam curvas, subidas, descidas, cascatas... O
moço se impressionava, pois o “pontinho feito com lápis azul” denunciava uma
queda d’água e, algumas pedaladas adiante, encontravam-na com todo o seu
esplendor. Dubreuilh não dava conta de ver tudo o que planejavam e até
protestava sobre a programação “não ter fim”... Mas quando se decidia por
determinado ponto do passeio era “pra valer”, então encostava a bicicleta e
caminhava até o alvo sem se importar com a distância que teriam de percorrer...
Aí contemplava os detalhes, as pedras, a disposição das árvores, a temperatura
e limpidez da água, o pôr-do-sol... Depois tinha assunto para comentar com os
companheiros de trip. Tanto se
inspirava em seus comentários sobre suas “descobertas” na natureza, que Henri
concordava que pudessem se irritar o lado de Robert, mas notava que a vida em
sua companhia era de grande intensidade, ele era imprescindível... Concluiu que
os de seu convívio eram privilegiados por isso.
Poderíamos
imaginar que Dubreuilh era todo interessado pelos detalhes da natureza por
ocasião da excursão pela França rural. Mas é certo que ele se detinha em longas
conversas com os que viviam no campo... Sim, ele se importava com as pessoas,
com as gentes dos lugares... Admirava-se com o trabalho nas plantações e
gostava de ouvir dos aldeões sobre o seu cotidiano e também a respeito de
política...
Houve certa vez, no quinto
dia de passeios, em que o pneu da bicicleta de Anne furou... Os três tiveram de
caminhar por uma hora até que chegaram a uma casa bem isolada... Ali havia
apenas três moças desdentadas, cada uma com o seu bebê ao colo... Nossos
personagens conseguiram permissão delas para consertarem a câmera por ali...
Robert estranhou o fato de encontrarem as moças e as crianças em péssimas
condições e sujas... Ele cogitou com Anne a respeito da possibilidade de
pedirem para passar a noite no celeiro... O casal tentava imaginar o motivo da
ausência dos companheiros das três... Estariam no campo? Anne conversou com as
moças a respeito do celeiro e, embora elas se escandalizassem com a ideia de
dormirem sobre o feno, não criaram objeções... Apenas insistiram que deveriam
beber algo quente antes de dormirem.
Então,
mais tarde, tomaram café de cevada enquanto conversaram com as três... Ficaram
sabendo que elas eram casadas com três irmãos. Eles estavam ausentes há dez
dias, pois tiveram de seguir para Basse-Ardèche, onde trabalhavam na colheita
de lavanda... Em ocasiões assim, elas permaneciam sozinhas a cuidar dos animais
e dos filhos... As moças não demonstravam habilidade no falar, mas
conseguiram revelar que a vida por ali (embora o “lugar isolado do resto do
mundo” atraísse a imaginação aventureira dos intelectuais) era muito difícil...
Colhiam castanhas e tufos de lavanda com muito esforço para auferir uns poucos
francos... Em meio ao feno e os seus odores, “Henri sonhava que não existiam
mais nem estradas, nem cidades: não haveria regresso”.
Esses últimos trechos são como que uma pausa na
agitada temática política da qual Henri, Anne e Robert eram protagonistas... De
fato, o angustiado Henri (que, quando podia, passava o tempo lendo, pois há
muito abandonara o redigir) poderia mesmo imaginar que, onde estavam, e no
ritmo em que viviam, dificilmente haveria modo de regressar... O “retorno” aí
pode ser entendido também como o regresso às existências que haviam deixado em
Paris.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/06/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir-as_7.html
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto