segunda-feira, 8 de julho de 2013

“Decamerão”, de Giovanni Boccaccio – Primeira novela do segundo dia – contada por Neífile – Primeira Parte - pessoas que só pensam em artimanhas para gracejar dos demais podem se dar muito mal; a história do alemão Arrigo, tido como santo após a sua morte pelo povo de Treviso; Marchese, Stecchi e Martelino, três “atores” florentinos e sua incontida vontade de se aproximarem do defunto Arrigo; a farsa de Martelino

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/07/decamerao-de-giovanni-boccaccio-o-fim.html antes de ler esta postagem:

Os rapazes e as moças se levantaram cedo no primeiro dia de reinado de Filomena. Assim aproveitaram o jardim, onde se divertiram e fizeram grinaldas com ramagens... Almoçaram ao ar livre e depois bailaram... Depois do repouso, após a hora nona (15:00), seguiram para o prado e se dispuseram ao redor da “rainha da jornada”... Filomena olhou com carinho a cada um dos membros do grupo e pediu que Neífile iniciasse a primeira narrativa.
A moça fez uma breve introdução dizendo que muitas vezes acontece de pessoas sem o menor escrúpulo criarem situações para enganar aos outros com a única intenção de gracejar... Não poucas vezes fazem isso ridicularizando os sentimentos mais sinceros dos demais... Ressaltou que em várias oportunidades elas acabam mal, e se tornam motivo de zombaria, atraindo para si cruéis e sinceras reações de ódio. Destacou ainda que sua narrativa seria de acordo com a proposta feita pela a rainha tão logo ainda havia sido indicada...
(...)
A história passava-se em Treviso, localidade não tão distante de Florença... Lá vivia um alemão pobre chamado Arrigo... Sua condição era tal que vivia a carregar o que lhe pedissem em troca de algum dinheiro... Todos o consideravam um bom homem, “de vida limpa e santa”... Assim viveu de modo bem simples... Aconteceu que no instante mesmo em que este Arrigo morreu, os sinos da maior igreja da cidade passaram a badalar sem que ninguém os tivesse tocado... Essa notícia espantou a todos que, admirados, viram naquilo um sinal divino... Aos poucos os trevisanos começaram a espalhar que, de fato, Arrigo era um santo.
Uma multidão o transportou de sua casa até a igreja maior da cidade. E para lá acorreu toda a gente... Muitos doentes também seguiram até onde instalaram o morto acreditando que só de tocá-lo poderiam ser curados... Aleijados, cegos e coxos imaginaram que a sua cura fosse iminente graças ao “santo defunto”.
Na cidade em polvorosa estavam três florentinos que viviam a visitar cortes de ricos senhores para entretê-los, principalmente durante ocasiões em que estes proporcionavam encontros festivos a outras famílias... Esses três florentinos eram Stecchi, Martelino e Marchese, especialistas em fazer imitações de outros tipos... E era divertindo plateias que ganhavam a vida.
Era a primeira vez que visitavam aquela cidade... Ficaram espantados com toda aquela movimentação. Evidentemente ficaram curiosos e logo conheceram a história do morto que todos tinham por santo... Deixaram os seus pertences na pensão onde haviam se instalado com a intenção de também conhecerem mais de perto a situação... Marchese alertou os amigos sobre a dificuldade que teriam de chegar à igreja... Destacou a cidade estava cheia de alemães que chegavam especialmente para homenagear o patrício... Havia homens armados instalados especialmente por recomendação do “senhor daquelas terras” para que não ocorressem confusões.
Foi Martelino quem teve a ideia de fingir que era um aleijado e, acompanhado dos dois amigos, seguiria em meio ao povo com a intenção de tocar o santo Arrigo... Marchese e Stecchi gostaram do plano... Contorcionista que era, não foi difícil para Martelino entortar dedos, mãos, braços, pernas, a boca e o rosto... Transformou-se de tal modo que podia ser considerado um tipo digno de compaixão...
Os três seguiram para a igreja... Marchese e Stecchi carregavam Martelino e iam abrindo o caminho entre a multidão... As pessoas viam que se tratava de uma necessidade urgente... Acreditavam mesmo que o pobre coitado que era levado precisava de um milagre, então davam passagem aos rapazes... De fato, logo chegaram diante do corpo de Arrigo.
Outras pessoas, bons homens, ajudaram a colocar Martelino em cima do santo. Todos ali o tinham por um doente de grave moléstia... O fingidor (e isso Martelino sabia representar) demorou-se um pouco até voltar a esticar todo o corpo... Todos os presentes acreditaram estar presenciando o maior dos milagres, pois aquele que estava totalmente deformado tornou-se reabilitado... Então seguiu-se um barulho ensurdecedor.
Leia: Decamerão. Editora Abril.
Um abraço,
Prof.Gilberto 

Páginas