Vimos que os agregados de d. Mariz suportavam aos ataques aimoré como podiam... Notamos também que, apesar da altivez que procuravam demonstrar, a esperança era minguada.
(...)
D. Antônio saiu para render Álvaro... Pouco depois o moço entrou, e via-se
que o seu gibão havia sido rasgado por uma flecha que quase o atingiu. Como o
forro de seu casaco era escarlate, a impressão que se tinha era que o rapaz
estivesse sangrando... Imediatamente Isabel aproximou-se dele para prestar
socorro. Ele explicou-lhe o que havia se passado enquanto era conduzido
pela mão dela até o local onde estava instalada (próximo à janela) há um bom
tempo.
É certo que ele tentava se desvencilhar sua mão das
dela, mas era verdade que a precária condição em que estavam vivendo havia
aproximado os seus corações... Olhares e palavras eram trocados entre eles mais
do que nos tempos de paz. Álvaro percebia que os seus sentimentos em relação à moça
estavam alterados. Ele a amava, mas a sua “ética fidalga” forçava-o a manter-se
fiel à promessa que selara junto a d. Mariz... O moço vivia o conflito entre
esse amor e a necessidade de anulá-lo. Intimamente não queria exigir que Isabel
desistisse de seus sentimentos, pois ele também estava apaixonado...
Era uma luta em que ele sabia que estava sendo derrotado. Se o encontro que
tiveram por ocasião do passeio se repetisse, certamente Álvaro cairia aos pés
de Isabel... Doía-lhe notar que a moça não mais o perseguia, mantendo-se
reservada e sem esperanças de ser correspondida.
Mas as circunstâncias permitiam a aproximação dos
dois. Ele quis saber o que ela queria... Isabel, que era só encanto, respondeu
que desejava apenas olhá-lo mais calmamente porque não tinha certeza se teria
outra chance... Álvaro pediu-lhe que não alimentasse pensamentos tristes. Sobre
isso, ela revelou que o observava pela fresta da janela e viu quando ele
quase foi atingido... O rapaz espantou-se com a imprudência da menina, pois a
fresta aberta, e já crivada de flechas, se tornava um alvo para os guerreiros
aimoré...
Isabel ouviu as advertências do amado e respondeu que sua vida nada
valia, pois nada a prendia além de poder acompanhá-lo “com os olhos e o
pensamento”. Álvaro deixou escapar que a tristeza manifestada por Isabel
partia-lhe a alma. Ela lamentou que até naquela situação o fizesse sofrer, pois
via que ele procurava manter-se apartado dela para evitar que Cecília pensasse
algo relacionado a algum sentimento que ele pudesse nutrir por ela... O rapaz
respondeu que o seu medo era o de realmente amar Isabel.
Os dois se comoveram com as palavras que trocaram... Principalmente
porque Álvaro deixou escapar o seu segredo de amor... Para evitar maiores
complicações, o moço completou dizendo que ela não sabia que ele havia
prometido a d. Mariz tornar-se marido de Cecília. Como que a se desculpar,
falou que estava obrigado a cumprir o que havia prometido, a menos que a própria
Cecília o rejeitasse... Enquanto isso não ocorresse se sentiria um “homem
desleal” no caso de amar outra mulher.
Ao seu modo, Isabel compreendia a situação do amado... Ela se
identificava como “aquela que ama sem ter esperança”, e mais, ao conhecer o
“compromisso moral” de Álvaro, seu sentimento se tornava um martírio para o
amado... Concluiu que só a morte poderia libertar o coração de um “primeiro e
santo amor”. O rapaz pediu a ela que não pensasse daquela forma e disse que
aquela loucura que acabara anunciar poderia ser justificada pela desonra...
Após breve reflexão, Isabel respondeu que a felicidade da pessoa amada
também justificaria um ato extremo como a morte... Evidentemente Álvaro ficou
sem entender o que ela quis dizer... A moça explicou que reconhecer-se como a
razão do sofrimento da pessoa amada pode levar-nos à anulação da própria vida
para permitir que o amado se realize... Disse isso e destacou que passava a ter
medo de ser amada...
Álvaro tomou-lhe as
mãos e suplicou-lhe que, se era fato que nutria afeição por ele, não desejava
que ela o recusasse. Pediu-lhe com sinceridade que eliminasse aqueles
pensamentos negativos de suas reflexões... Isabel se emocionou com as palavras
do amado, e ponderou dizendo que a vida que ele pedia para conservar era a que
ele mesmo desprezava... Arrematou essa consideração com uma ousada proposta: se
ele aceitasse a sua vida como propriedade não haveria motivos para
suplicar-lhe.
O cavalheiro retirou-se da sala, mas não sem
dizer “sim”, aceitando a sugestão da amada.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/09/o-guarani-de-jose-de-alencar-peri_29.html
Leia: O guarani. Editora Ática.
Um abraço,
Prof.Gilberto