Vimos que desde criança Francisca tinha acesso às dependências do Colônia porque sua mãe era funcionária da instituição... De tanto que participava do ambiente, era comum ajudar os funcionários em pequenas tarefas. O cotidiano a fez conhecer mais de perto a difícil realidade dos internos.
(...)
Em algumas ocasiões, Francisca passava o dia inteiro junto à mãe, e não
foram poucas as noites em que dormiu no Colônia. A vivência permitiu-lhe uma
interpretação diversa a respeito dos pacientes... Normalmente ouvia que eles se
tratavam de “loucos perigosos”, mas ela relata que diversas vezes eles a
protegiam e mimavam.
Aos poucos ela se aproximou
mais de uma das internas, Conceição Machado, da qual se tornou amiga.
Sobre Conceição Machado, devemos explicar que ela
havia sido internada no manicômio pelo próprio pai simplesmente porque exigia
remuneração (pelo seu trabalho na fazenda da família em Dores do Indaiá) igual
à dos irmãos, pois as tarefas que desempenhavam eram as mesmas...
Por mais absurdo que possa parecer, o entendimento do pai de Conceição
em relação a essa rebeldia foi internar a filha em maio de 1942... Para ele
tudo era bem simples, já que bastou embarcá-la no “trem de doido”. Uma vez no
manicômio, Conceição não incomodaria mais os familiares.
Arbex revela que em trinta anos nenhum deles jamais a
visitou.
(...)
Sua lucidez não admitia o tratamento dispensado aos pacientes, e muito
menos ser taxada de louca pela instituição. Não é por acaso que os seus
primeiros dias no Colônia foram marcados por várias agressões aos
funcionários... Conceição protestava sobretudo contra os maus-tratos que os
pacientes recebiam.
É claro que sua atuação provocou as retaliações. Não é por acaso que ela
permaneceu trancada numa diminuta cela por mais de dois anos, e com a limitação
de contemplar a luz do sol por apenas vinte minutos a cada dia.
Mas Conceição era destemida
e chegou mesmo a interpelar o diretor (José Theobaldo Tollendal) em sua própria
sala... Na ocasião, sugeriu que se ele provasse (e aprovasse) o café servido
aos internos, então eles não teriam do que reclamar... Suas reivindicações
giravam em torno da falta de tratamento adequado aos pacientes e à alimentação
escassa e de má qualidade.
Foi natural que ela
terminasse por se tornar líder dos demais internos.
(...)
Sua atuação chamou a atenção da menina Francisca, que se viu
sensibilizada pelos seus dramas e determinação. Entre as duas consolidou-se a
amizade.
A filha da funcionária
manifestou seu desejo de que Conceição participasse de seu casamento... De
fato, quando completou quinze anos, casou-se com o cabo Pedro Vitorino dos
Reis, da Aeronáutica, na igreja São José. E Conceição compareceu conforme o
desejo de ambas.
Sete anos depois, em 1977, Francisca foi aprovada em concurso público e
ingressou no Colônia como auxiliar de serviços gerais... 1979 é o ano em que,
na tentativa de se tornar atendente de enfermagem, presencia os testes que resultaram
na morte de dois pacientes do pavilhão Afonso Pena. Este episódio foi relatado
na postagem anterior
(...)
Atualmente Francisca milita no Sindicato Único da Saúde, que agrega
quase 20 mil servidores no estado de Minas Gerais. Não há dúvida de que esse
engajamento tem inspiração na garra de Conceição.
P.S: Os que assistiram Em Nome da Razão devem saber que aquela paciente que aparece junto
a outras internas numa varanda, falando de várias necessidades que enfrentavam
no Colônia, é Conceição Machado.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2014/03/holocausto-brasileiro-genocidio-60-mil_21.html
Leia: Holocausto Brasileiro. Geração Editorial.
Um abraço,
Prof.Gilberto