segunda-feira, 24 de março de 2014

“Holocausto Brasileiro – Genocídio: 60 mil mortos no maior hospício do Brasil”, de Daniela Arbex – Sônia e sua rebeldia; Terezinha, a “filha” que ela escolheu; programa “De volta para Casa”

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2014/03/holocausto-brasileiro-genocidio-60-mil_21.html antes de ler esta postagem:

Não se sabe ao certo a data de nascimento de Sônia e nem onde ela nasceu... No entanto, o documento de identidade providenciado quando se estimava que ela já tivesse uns 45 anos registra o dia 28 de julho de 1950 e a cidade de Barbacena.
Sua história é semelhante à de muitos outros ex-pacientes. Desde a sua internação foi abandonada à própria sorte... Passou por várias agressões que incluíam choques elétricos e às “injeções de entorta”.
Ela passou trancafiada por algum tempo, sem cobertor para que pudesse aliviar a friagem... Muitas vezes bebia da própria urina para não padecer de desidratação. Como seu comportamento era rebelde, foi punida com o “mergulho na banheira de fezes” em várias ocasiões. Mas os funcionários não a desprezavam totalmente, tanto é que sempre que precisavam de sangue para transfusões em pacientes anêmicos ou debilitados pela lobotomia, espetavam-lhe agulhas sem maiores questionamentos.

                                                                                 De acordo com Holocausto Brasileiro, a lobotomia é uma cirurgia de rompimento das “vias que ligam os lobos frontais ao tálamo”; uma “técnica bárbara da psicocirurgia” ainda realizada no país.

O inconformismo de Sônia a levava a agredir o próprio corpo e, para se defender, atacava com violência funcionários e internos... Aos poucos sua fama de violenta se espalhou e ela passou a ser temida. Arrancar o próprio dente com alicate e jogar esmalte sobre as feridas foram atitudes que a estigmatizaram.
(...)
Pelo menos em duas ocasiões, Sônia engravidou no Colônia e, para evitar que a incomodassem ou maltratassem o bebê, espalhou fezes sobre a própria barriga. Esse expediente foi utilizado também por outras internas que engravidaram no hospital. Ela teve duas crianças, sendo uma delas uma menina que morreu, e a outra, um menino (que tem mais de 25 anos, e ao tempo da publicação de Holocausto Brasileiro, no ano passado, estava preso).
(...)
Arbex registra que em 2003, Sônia teve o direito de ser transferida para uma “residência terapêutica”. Isso foi possível graças às mudanças implantadas a partir da Lei Orgânica de Assistência Social, que propiciou também o “Benefício de Prestação Continuada” às pessoas com necessidades especiais e com histórico de internações prolongadas e sem possibilidades de retorno à família.
O que se pode depreender é que Sônia “adotou” a companheira Teresinha como se esta fosse sua filha... Ela “bateu o pé” e insistiu que só se encaminharia para a nova morada se sua amiga inseparável a acompanhasse.
Sobre a “Residência Terapêutica” que passaram a dividir com cinco ex-internas do Colônia, pode-se dizer que ela proporciona uma condição mais digna e cidadã aos egressos do Colônia... Para termos ideia, Sônia e Teresinha estranharam o fato de, ao chegarem, não terem de se desfazer de suas roupas ou de se banharem com água gelada... Em vez disso, banho quente, guarda-roupa, sabonete e toalhas exclusivos.
(...)
A possibilidade de se mudarem do Colônia em 2003 se deve ao fato de nesse ano ter sido instituído o programa “De volta para Casa” pelo Ministério da Saúde. O programa garante um salário mínimo, além de uma bolsa mensal (R$240, de acordo com as informações de Holocausto Brasileiro).
(...)
Devemos entender que a reabilitação deve ser plena.
É claro que a mudança na vida dessas pessoas foi radical...
Elas se interessam por roupas, sapatos e alimentos, itens negados a elas no passado. O intenso consumo de refrigerantes e doces, descoberta recente em suas vidas (é claro que não se pode esquecer a péssima alimentação que receberam no passado), aumentou a glicose de Sônia.
Há autonomia no gasto e, embora analfabetas, Sônia e Teresinha vão se acostumando a negociar de acordo com as espécies animais que figuram em cada uma das notas de nossa moeda (Tartaruga Marinha, Garça, Arara, Mico-Leão, Onça-Pintada e Garoupa).
Em Barbacena foram criadas 28 residências como essa. Elas abrigam 160 ex-pacientes. Os relatos dão conta de uma intensa movimentação na economia do município.
(...)
Em 2011 Sônia viajou de avião para Porto Seguro (estado da Bahia) e avistou o mar pela primeira vez em sua vida.
Que bom que as oportunidades se descortinam para ela. E também para os demais ex-internos sobreviventes do Colônia...
Leia: Holocausto Brasileiro. Geração Editorial.
Um abraço,
Prof.Gilberto

Páginas