sábado, 24 de maio de 2014

“Os Mandarins”, de Simone de Beauvoir – antes de partir para a reunião, Dubreuilh falou da motivação de seu silêncio em relação aos documentos sobre os campos de morte soviéticos; adaptação, silêncio, traição; nenhuma carta de Lewis; reflexões sobre as ideias da “inevitável” necessidade de sacrifício de gerações para que a humanidade viva plenamente

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2014/05/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir_23.html antes de ler esta postagem:

Certamente não é fácil compreender o emaranhado de questões que Robert levava em consideração ao tratar da necessidade de denunciar os campos de morte soviéticos... “O horror está em toda parte”, sentenciou... Sabemos que Henri faria a mesma reflexão após a reunião secreta para a entrevista com Peltov...
(...)
Dubreuilh despejou uma série de imperativos em relação às desgraças que se abatiam sobre homens e mulheres que “morriam sem jamais terem vivido”... Anne o ouviu pacientemente a respeito da “fadiga, pobreza, desespero do proletariado francês, miséria da Espanha e da Itália, escravidão dos povos colonizados, da China e da Índia, a fome, as epidemias”... E por fim Robert perguntou se ela o compreendia em sua condição de intelectual: Afinal, ao denunciar os campos de concentração estaria “trabalhando em favor dos homens, ou contra eles?”.
Anne concordou, porém indagou se, de fato, a causa da URSS ainda poderia ser confundida com a da humanidade... Em sua opinião, definitivamente, a existência dos campos deveria trazer à tona a questão do modelo implantado pelos soviéticos...
Também essa consideração foi rebatida por Robert... Para ele, seria necessário saber se o expediente denunciado não era indispensável ao regime, se estaria relacionado à determinada política passível de alteração, ou mesmo se não seria extinto após a recuperação do país...
Anne achou que a discussão se encerrava por ali... Os dois retornaram a casa e “fingiram que trabalhavam”. Ela trouxe muitas anotações e livros referentes ao congresso do qual participara nos Estados Unidos... Havia a necessidade de organizá-los, mas não conseguia se concentrar na tarefa.
(...)
Robert tomou o ônibus às dez da manhã... Seguiu para o encontro em que Peltov foi apresentado e esclareceu os documentos que havia entregado a Scriassine...
(...)
Anne investigou a correspondência na esperança de encontrar uma carta de Lewis... Não havia nenhuma... Ela bem sabia que as cartas demoravam a chegar e, além disso, ele dissera que só escreveria depois de oito dias que tivessem se despedido. Uma tristeza invadiu o seu coração... Estava longe do amado e nada podia fazer...
(...)
No escritório e escolheu um disco para ouvir enquanto refletia sobre a conversa que teve com Robert... Pensou no quanto ele havia mudado... Na década anterior ele teria se manifestado... Mas agora parecia ter se adaptado às “necessidades do momento”... A opção de calar-se diante das graves denúncias em nada combinava com o ideal que o levara a organizar o SRL... Estaria Dubreuilh menos livre?
É tudo uma questão de adaptação e esquecimento... Anne pensou sobre sua condição e notou que também ela (e todas as demais pessoas) vive a adaptar-se e a esquecer para não se perceber uma traidora de suas convicções (ou de um amor).
(...)
Falar a respeito das denúncias, de acordo com Dubreuilh, corresponderia a “trair outros”... Esses argumentariam que “não se faz omelete sem quebrar ovos”...
Essa reflexão desencadeou outros tristes pensamentos... A metáfora é clara... Pode-se dizer que o regime soviético adotasse os campos como um “mal necessário”... Robert parecia considerar essa hipótese... Mas qual seria o resultado da desumana operação? O que se diria a seu respeito no futuro? Milhões de mortos infestando a terra (como os ovos quebrados para a omelete)... A totalidade de vítimas é absurda (e o número é frio)... É um erro pensar aritmeticamente quando se trata de somar humanos porque todos possuem sua individualidade existencial. A humanidade não é “uma só pessoa”... Anne se lembrou dos tempos de estudante e de suas palestras com Robert, quando se postulava que “um dia a humanidade seria recompensada de todos os seus sacrifícios”...
Acreditou sinceramente nesse princípio? Obviamente as gerações sacrificadas não se erguerão de seus túmulos para o regozijo do triunfo...
Anne desligou o aparelho de som, deitou-se no divã e fechou os olhos...
Depois de algum tempo, escolheu um romance policial para se distrair...
Demoraria até que Robert retornasse.
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto 

Páginas