Bem podia ser que, a partir de sua última fusão com Mercer (na deserta colina da região do Oregon), o olhar de Deckard se tivesse tornado especial... Quer dizer, Mercer é quem enxergava por ele tudo o que para os humanos era imperceptível...
Deckard entendia que só o olhar da entidade espiritual poderia perceber vida nas entranhas de uma terra morta, contaminada e desfigurada...
Doravante seria assim? Ele estaria dotado de capacidades que só Mercer poderia conceder-lhe?
(...)
O sapo era enorme... Com as patas traseiras havia
cavado uma saliência onde se depositara... Estava com os olhos velados, como
que morto... Rick pensou sobre como é que poderia botar ovos ou mesmo conseguir
água por ali...
Com muito jeito, agarrou o animal pelas costas... O bicho começou a se
movimentar tentando escapar a qualquer custo... Mas já era tarde... Não demorou
e Deckard o depositou no fundo da caixa, que foi bem amarrada e depositada no
fundo da mala do hovercar...
(...)
Aos poucos o estado de ânimo de Deckard melhorou...
Uma vontade tremenda de retornar para casa o invadiu... Ele até pensou em
vidfonar para Iran, mas achou melhor fazer-lhe uma surpresa.
Cerca de mil e duzentos quilômetros o separavam de São Francisco, mas
esse percurso ele faria em pouco mais de meia hora...
Não mais pensava sobre sua miserável condição... Em vez disso,
vislumbrava uma nova condição... Ele e a esposa poderiam proteger aquele
sapo... Nenhuma androide amputaria suas pernas, como fizeram com a aranha do
cabeça de galinha.
(...)
A intranquilidade dominava Iran... Ela não sabia onde o marido estava e
nem se retornaria ou não para casa...
Sentou-se junto ao “sintetizador de ânimo Penfield” e passou a consultar
o manual... Talvez precisasse recorrer a ele... Dependendo de sua escolha, se
sentiria mais relaxada e até com vontade de assistir televisão... Pensou nas
várias opções e o que ocorreria se Rick estivesse ali... Talvez ele sugerisse o
“canal 3 ou o 888”.
(...)
As vacilações de Iran
terminaram quando bateram à porta... Só podia ser Rick, e é por isso que ela
levantou-se imediatamente para recebê-lo.
Deckard estava bem
desfigurado... Não havia como não notar o corte em seu rosto... Cabelos e mãos
estavam empoeirados... Trazia olhos espantados como os de uma criança que se
diverte rolando na terra, pulando e correndo até o último instante do dia... Sua
roupa estava imunda e amassada...
É óbvio que Iran
tornou-se aliviada ao revê-lo e foi manifestando o seu contentamento... Deckard
protegia a caixa debaixo do braço e respondeu que trazia algo ali.
A mulher disse que prepararia um café... Deckard sentou-se sem deixar a
caixa de lado... Iran nunca o vira com aquela expressão... De fato, naquela
caixa devia estar a resposta para tudo o que ele devia ter vivenciado desde que
tinham se despedido na última madrugada (após descobrirem que Rachael havia
matado sua vailosa cabra nubiana).
Deckard anunciou que
tiraria o dia de folga... Havia acertado isso com Bryant... Estava ali para
isso... Tomou a caneca e bebeu do café.
Iran não podia conter a curiosidade e perguntou sobre
o que a caixa segredava... Ele disse que era o sapo e, com muito cuidado,
pôs-se a abri-la... A mulher espantou-se ao ver o bicho... Achou-o feio
demais... Ela perguntou se ele era perigoso, então Rick explicou que sapos não
têm dentes e que ela poderia segurá-lo.
(...)
Iran fez várias perguntas para que pudesse entender e lidar
satisfatoriamente com aquele animal... Mas eles não estavam extintos? Sapos são
bem diferentes de rãs, pois não saltam e nem são ágeis como elas... Além disso,
não necessitam tanto de viver à beira da água... Aquele foi encontrado em pleno
deserto!
A mulher manipulou o bicho... De repente verificou que
na barriga havia uma saliência...
Era um compartimento eletrônico...
Click... Abriu-a com um dedo...
Uma “imitação de sapo”, aquilo era.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2014/12/androides-sonham-com-ovelhas-eletricas_44.html
Leia: Androides sonham com ovelhas elétricas? Editora Aleph.
Um abraço,
Prof.Gilberto