Uma loucura, sem dúvida...
Anne a ouvia enquanto analisava seus gestos...
E o que dizer do estúdio vermelho? Que cenário para devaneios e assassinatos! E não é que a moça manipulava nervosamente o zíper de uma bolsa que tinha sobre os joelhos!
(...)
Anne resolveu dizer que a
amiga não estava bem... Marcou um jantar e esqueceu-se de convidar as pessoas e
preparar a refeição... Devia estar muito fatigada para imaginar toda aquela
perseguição... Sugeriu que ela se acalmasse até que lhe fosse arranjada uma
consulta com o Doutor Mardrus...
Paule admitiu que sofria de dores de cabeça, mas
gozava de consciência suficiente para saber que “fatos são fatos”...
Anne quis que ela explicasse quais eram os fatos... Então Paule fez uma
série de perguntas para as quais imaginava respostas suspeitas... Questionou o
motivo de Claudie postar sua última carta na Rua Singer... E por que na casa à
frente há um macaco que faz trejeitos para ela? Por que Anne teria contrariado
sua afirmação sobre não ter condições de manter um salão? Ora, ela “sabia” que
todos a acusavam de haver macaqueado Henri quando se meteu a escrever... E
também a Claudie, quando meteu-se em seus vestidos e em sua “vida mundana”...
Ela finalizou essas “aberrações” perguntando se todos
haviam se unido para salvá-la ou para destruí-la.
Anne disse que o que Paule chamava de “fatos” nada mais era do que "acasos” que nada significavam... E
acrescentou que ninguém jamais quis destruí-la... Afinal, não eram amigas?
A princípio Paule não aceitou a refutação de suas ideias sobre os
“fatos”... Depois silenciou, disse que a recebia muito mal e que remediaria
tudo com uma garrafa de vinho do Porto...
(...)
Enquanto arrumava os copos, Paule perguntou por Nadine... Anne falou
sobre o rompimento com Lambert. A outra perguntou sobre quem seria o novo amante
da garota... Anne disse que, até onde sabia, não havia nenhum outro rapaz.
Mas e Henri? Nadine não se aventurava com ele? Anne lembrou-lhe que os
Dubreuilh estavam brigados com Perron... E quis saber se ela não havia lido o
jornal em que as cartas ofensivas de Henri e Robert estavam estampadas lado a
lado...
Paule ironizou e deu a
entender que até aquele jornal havia sido “montado” como peça de “faz de conta”
para iludi-la.
É claro... Não havia o
menor sentido em discutir com aquela maluca.
(...)
Mas Paule estava
decidida a provocar... Não acreditava que Nadine não mais se encontrasse com
Henri... E disparou que a garota devia amá-lo, até porque decidiu viajar com
ele para Portugal... Anne tentou explicar que para sua filha o envolvimento com
Henri era diversão, e que seu interesse maior era a experiência da viagem em si...
Paule se comportou como se fosse uma inquisidora e disparou várias
perguntas sobre como é que ela não se importou em permitir a viagem...
Anne disse que depois da morte de Diego a garota precisava de mais liberdade...
Na sequência observou que
falavam muito de sua vida, mas não da vida de Anne... Despejou o resto do vinho
no copo dela e quis saber sobre a sua vida com Robert, e também se ela já tivera
casos amorosos.
De repente Anne estava disposta a falar sobre os “casos
sem importância” e também sobre Lewis Brogan... Chegou mesmo a dizer o seu
nome, que morava nos Estados Unidos, que era escritor e que o amava... Mas
Paule reclamou que a América é território distante e que tinha interesse de
ouvir sobre os casos que ela vivera na França.
Acrescentou que ela podia falar-lhe de Henri, pois era claro que tinha
algo a esconder... Anne refutou imediatamente e disse que sua filha (e não ela)
se envolvera com ele. Mas Paule retomou o tom mais agressivo ao dizer que sabia
que Anne fizera de tudo para afastar Nadine de Henri e, assim, ficar livre para
amá-lo.
A moça disse essas coisas ao mesmo tempo em que
recomeçou a abrir e fechar o zíper de sua bolsa...
Anne levantou-se e esbravejou dizendo que, se era assim que ela pensava,
então iria embora...
Paule disparou que “estava tudo claro” para ela, e agora podia entender
por que Anne e Henri se afastaram do grupo em meio à multidão na noite das
festividades pelo fim da guerra em 1945...
Aquilo já era demais para Anne... Ela protestou dizendo que Paule precisava
de um médico urgentemente.
De sua parte, Paule continuou a insistir que havia sido enganada por
todos e que teria de descobrir tudo sozinha... Anne disse que não teria como ajudá-la
se ela não confiava nela...
(...)
Foi com certo alívio que Anne
conseguiu sair do estúdio, mas Paule “se despediu” dizendo que ela podia sair e
encontrar os demais para falar-lhes mentiras sobre o encontro que tiveram ali.
Como se vê, o caso de Paule estava se agravando
a cada dia.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2015/01/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir-de_31.html
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto