segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

“Os Mandarins”, de Simone de Beauvoir – Paule se isola; Henri sofre perseguições dos ex-companheiros; Dubreuilh acena com “aposentadoria”

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2015/01/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir-uma.html antes de ler esta postagem:

Anne sabia que Paule precisava de um tratamento... Era com inegável alívio que admitia a impossibilidade de ter de lidar com a doente porque normalmente os analistas não cuidam dos casos daqueles que são muito próximos de seu convívio... Outro especialista deveria se encarregar de Paule.
Ela “escondeu-se” e não mais atendia ao telefone... Duas cartas enviadas por Anne ficaram sem resposta satisfatória... Em vez disso, a moça encaminhou recado sobre sua necessidade de permanecer sozinha por algum tempo.
Nas próximas postagens teremos mais notícias sobre o seu estado...
(...)
Nadine também parecia menos dada a aparições em grupo... Desde o seu rompimento com Lambert praticamente não trocava ideias com amigos... A exceção era Vincent, com quem eventualmente se encontrava...
Além de lidar com a redação da Vigilance, Nadine não se dedicava a nenhuma reportagem...
Robert passava o tempo ouvindo músicas... Iam ao cinema com frequência... Outro hábito que passou a cultivar foi o de colecionar discos.
(...)
Numa manhã, Anne deparou-se com um texto de Lenoir num jornal comunista... O rapaz distribuía agressividades aos ex-companheiros... Henri era dos mais atacados; Robert era o poupado.
Robert concordou que o texto contra Henri era pesado demais... Admitiu que o fato de não se tornar um anticomunista declarado (apesar de todos aqueles ataques) era digno de reconhecimento...
Anne aproveitou para reafirmar sua opinião sobre a lamentável dissensão entre ambos...
Mas Dubreuilh acrescentou que acreditava que Henri Perron estivesse satisfeito com a tiragem de L’Espoir e também com os artigos de Samazelle... E ainda havia as companhias de Trarieux e Lambert, “tipos direitistas”.
Anne argumentou que Henri talvez estivesse em situação parecida com a dele... Àquela altura nenhum dos dois era bem visto por boa parte da sociedade...
Robert admitiu que, provavelmente, aquela era uma situação que perturbava bem mais ao seu desafeto...
(...)
Apesar da teimosia do marido, Anne via que os rancores enfraqueciam. Ousou afirmar que acreditava que Henri estivesse arrependido da briga que tiveram...
(...)
Qual seria o papel do intelectual? O que pode e o que deve ser?
Essas eram questões que, segundo Robert, teriam pesado aos dois no tempo das desavenças sobre a documentação que denunciava os campos soviéticos...
Agora Robert parecia entender melhor a posição que cada um adotou por aquela ocasião... Anne sugeriu que o paradoxo que se evidenciou estava no fato de Henri, que se importava menos (do que Robert) com as posições políticas, ter adotado posição política mais escancaradamente perturbadora...
Robert concordou e disse que era provável que Henri já soubesse que “um intelectual não tem mais papel algum a representar”...
Como assim? Anne quis saber...
O marido falou em tom de desabafo que o intelectual até pode redigir, mas com o “cuidado de não dizer coisa alguma”...
Isso quer dizer que Dubreuilh se contradizia... E isso porque sempre fora um defensor da Literatura... Anne quis saber se ele não mais escreveria... Robert esclareceu que aquilo era uma questão de tempo, pois bastaria finalizar o seu “último ensaio” para não mais produzir texto algum.
Era com tristeza que ele concluía que a Literatura vinha se prestando à alienação... A busca da verdade ou a refutação do individualismo e imediatismo, que sempre foram preocupações suas, pareciam não mais caber nas reflexões da gente letrada.
Anne lembrou-o de que aqueles princípios sempre o motivaram...
Com resignação, ele continuou a afirmar que “as coisas mudaram”... Emendou que só via possibilidade de resolução a partir dos comunistas... Ideais como os que ele sempre defendeu soariam (naquele momento) como munição aos antirrevolucionários...
Era melhor silenciar... Essa era a sua conclusão.
Talvez por isso tivesse se negado a falar dos campos soviéticos de trabalho forçado... E concluiu ainda que “com a verdade não se pode vacilar”... “Ou se diz, ou não se diz”... Aquele que não se decide a dizê-la sempre é melhor não se intrometer; é melhor calar-se...
(...)
Anne entendia o marido. Ela sabia que, para ele, o “silêncio a respeito dos campos russos” havia sido muito pesado... Ela sabia (e sentia como ele) de seus remorsos sobre os sacrifícios de tantos...
Renunciando-se a escrever, punia-se.
(...)
Muita coisa havia mudado desde o natal de 1944, quando Anne ressaltava que havia “deveres intelectuais” que os vinculavam à produção escrita...
De acordo com Dubreuilh, seus livros (apesar do pouco tempo que havia se passado) seriam pouco significativos, ou até nocivos à causa da Revolução...
Quanta incoerência!
Desejava a vitória comunista e, no entanto, não conseguiria viver numa realidade controlada pelos comunistas...
Ele mesmo concluía que estava velho, e que o futuro que imaginava não era o mesmo que vislumbrara no passado... Não via “lugar para si” no mundo que haveria de surgir.
Talvez aquilo pudesse se tornar tema para o encerramento de seu livro... Não seria má ideia.
E depois de o livro finalizado? Anne quis saber.
Robert admitiu que faria o mesmo que os mais de “dois milhões de homens”, ou seja, nada mais escreveria.
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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