terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

“Os Mandarins”, de Simone de Beauvoir – sem diálogo, Anne retira-se para a praia durante a madrugada; reconciliação; fim do capítulo VIII

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2015/02/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir-anne_23.html antes de ler esta postagem:

É claro que Ane já não podia entender o que estava acontecendo com Lewis... Qual seria o motivo de sua postura tão raivosa? Tudo bem que as reuniões noturnas lhe provocassem tédio, mas será que ele não podia levar em consideração que o decorrer dos dias era sempre de tranquilidade e paz? Murray era uma pessoa boa e nada tinha de arrogante...
(...)
Durante a noite ela permaneceu por muitas horas pensando sobre a postura do amado... Concluiu que a sua intenção era unicamente a de atingi-la... Talvez ele não estivesse bem consigo mesmo, e é por isso que a tudo censurava... Estaria arrependido por ter se envolvido emocionalmente com ela? Desagradava-lhe saber que havia sido terno e amoroso com ela?
Lewis dormia... Anne não teve força para despertá-lo e passar a limpo aquela história.
Ela continuou a pensar sobre a necessidade de mudar o rumo da relação... Definitivamente o dia seguinte não poderia ser como os anteriores... Mas o que fazer? O que Lewis pensava e o que pretendia?
Todas essas dúvidas pesavam-lhe na consciência... Mas era inútil insistir... E para complicar o seu estado, o sono não chegava.
(...)
Anne lembrou-se de que não pudera tomar banho de mar durante o dia anterior... Sabemos que ela teve de fazer companhia ao garoto Dick e entretê-lo com passeios de bicicleta e sorvetes.
Pensou que não seria uma má ideia seguir até a praia para experimentar do frescor da água da madrugada.
Foi isso mesmo que ela fez. Vestiu sua roupa de banho e retirou-se descalça para não espertar ninguém... Quando chegou ao portão calçou as sandálias.
(...)
Deitada na areia sob o maravilhoso céu estrelado e ao som do mar, Anne adormeceu... O pesado sono a dominou, e quando despertou o sol já se fazia presente...
Ela lançou-se ao mar e permaneceu flutuando de costas... A manhã era bela e sua mente estava completamente livre de preocupações.
(...)
Algum tempo se passou até que Anne ouviu que a chamavam...
Conseguiu detectar a direção... Na praia estava Lewis trajando apenas a calça do pijama... Ele a aguardava... E foi em sua direção que ela nadou.
Lewis a abraçava com força e não parava de proferir o nome da amada... É como se estivesse a perguntar se aquela era mesmo a sua Anne.
Ela quis explicar que precisava se secar... Mas Lewis só sabia dizer que sentira muito medo ao despertar e notar que estava sozinho no quarto. Disse que sua preocupação aumentava na medida em que o tempo passava e ela não retornava.
Anne se surpreendeu com o fato de “ser a vez de ele experimentar o medo”... Lewis estava mesmo apavorado e revelou que decidiu procurá-la por toda parte até que chegou à praia... Como não a encontrava, ficou sem saber o que pensar.
(...)
O clima entre os dois mudou “da água para o vinho”... Anne se divertiu perguntando se ele imaginou que ela se afogaria... Depois pediu que ele a secasse. Lewis obedeceu e vestiu o roupão que ela havia trazido...
Os dois se sentaram... Lewis a abraçou e se mostrou feliz por estarem juntos... Anne respondeu que ele jamais a perderia “por culpa dela”.
Lewis acariciou os cabelos de Anne por algum tempo sem nada dizer... De repente ele anunciou que gostaria que retornassem para Chicago... Ela assentiu no mesmo instante em que ele afirmava que na noite em que haviam chegado percebeu que não fizera bem em aceitar se instalar na casa de Murray...
Ela garantiu que o que mais queria era ficar a sós com ele... Depois perguntou se o seu mau humor se devia ao seu arrependimento (por terem se hospedado na propriedade de Murray)... Lewis respondeu que passou a se enxergar numa “armadilha” da qual não via como sair.
Ele propôs viajarem naquele mesmo instante... Fazerem as malas enquanto a família de Murray dormia. Anne sugeriu que ele se entendesse com o amigo antes de partirem... E também perguntou se era aquilo mesmo que ele gostaria de fazer. Lewis garantiu que não agia por capricho...
Anne quis saber se quando retornassem tudo seria como no ano anterior... Ele garantiu que sim, e que estava chateado porque “experimentou amá-la menos”... Anne pediu que ele não mais experimentasse... Ele concordou.
(...)
Ao que tudo indica, Lewis se entendeu bem com Murray... O anfitrião estava sorridente ao levá-los ao aeroporto.
(...)
Os dias em Chicago foram mesmo como que uma repetição do ano anterior.
Ao se despedirem, Lewis disse à Anne que jamais a amara tanto.
Fim da oitava parte.
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

“Os Mandarins”, de Simone de Beauvoir – Anne intercede e se encarrega de entreter o pequeno Dick; ela desiste de convencer Lewis a se comportar mais elegantemente com o pessoal de Murray; novas manifestações misóginas

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Anne soube como lidar com Dick... O seu dia-a-dia profissional a preparara para inspirar confiança também em garotos como ele... Em síntese, apostaram corrida de bicicleta, tomaram sorvetes, entraram num barco pesqueiro...
O menino se afeiçoou de tal modo a ela que não quis largá-la durante todo o dia. Apesar de o saldo ter sido positivo, ela não se conformava com o fato de Lewis ter se comportado de modo extremamente agressivo com a criança.
(...)
À noite, Anne decidiu fazer alguns comentários sobre suas impressões com Lewis... Ela considerava que ele deveria agradecer-lhe por livrá-lo das importunações de Dick... Lewis achava que era o menino quem deveria agradecê-la e dar-se por satisfeito por ter se livrado de seus safanões...
Conversavam sobre o dia que tiveram e ela queria apenas que ele reconhecesse a importância de sua intervenção no delicado momento em que agredia o filho de Murray...
Anne percebeu que Lewis ocupava-se apenas de si mesmo. Ele estava deitado, vestia camisa de mangas e sua calça velha... Tinha o olhar perdido no teto e fumava tranquilamente.
Ela se ajeitava decentemente, pois havia notado que o casal anfitrião sempre se vestia muito bem à noite, quando costumavam receber visitas para o jantar... É por isso mesmo que Anne perguntou a ele se não iria se trocar... Achava mesmo que era um desrespeito de sua parte não levar em consideração a gentileza da família que os recebia.
Lewis protestou e disse que de modo algum podiam associar a suas vestes simples a atitudes de desrespeito... Elas não o tornavam nu! Além do mais não havia sido para topar a todo o momento com tipos nova-iorquinos que havia aceitado o convite de Murray...
Anne concordou com o que ele disse... E emendou que, pelo visto, ele havia aceitado se instalar na propriedade de Murray para ser desagradável com todos... Acrescentou ainda que era certo que Ellen andava a reparar no modo como ele se comportava...
(...)
Lewis parecia não dar a mínima importância ao que Anne lhe dizia, então ela disparou que ele podia fazer o que bem entendesse. Ainda esbravejando, Lewis acabou se vestindo um pouco mais decentemente.
De sua parte, Anne estava inconformada porque só estavam instalados ali porque ele mesmo havia insistido... Enquanto ela procurava colaborar o mais que podia, ele parecia se esforçar para ser o mais desagradável possível.
Já que o seu prazer estava em “estragar tudo”, Anne decidiu que o deixaria de lado.
(...)
Pelo menos para ela, o jantar foi muito agradável... De fato, ela não se importou com Lewis... Conversou com todos e sequer percebeu a conduta adotada por ele.
A maioria dos convidados se retirou por volta da meia-noite... Este foi o caso de Ellen e também de Lewis.
Anne, Murray, o guitarrista e mais outros dois permaneceram até três da manhã trocando ideias...
Ao retornar para o quarto, Lewis acendeu a luz... Ele quis saber se ela já havia parado de “fazer barulho com a boca”. Não sabia que ela era como a Sra. Roosevelt, mulher capaz de fazer muito barulho sozinha...
(...)
Mais uma vez notamos misoginia numa declaração de Lewis... Anne pareceu ignorá-la e disse apenas que gostava de conversar com Murray... Lewis reagiu imediatamente e garantiu que a censurava por isso... O que Murray teria a dizer? Teorias!
Lewis insistiu que não eram de teorias que se faziam bons livros... Os teóricos, como Murray, explicam como se faz livros... Mas os que definitivamente fazem bons livros não são teóricos.
Anne disse que o interesse de Murray não era o de se tornar romancista, pois era um crítico literário... Lewis se irritou ainda mais e disse que o outro não passava de um verbalista... E saber que Anne sorria ao ouvi-lo...
Lewis garantiu que tinha vontade de chocar a cabeça da namorada contra a parede para ver se o bom senso penetrava nela...
Anne não respondeu àquelas agressões... Era para isso que ele a havia esperado?
Deitou-se e desejou-lhe boa noite...
Lewis apagou a luz... E nada mais disse.
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto

domingo, 22 de fevereiro de 2015

“Os Mandarins”, de Simone de Beauvoir – Anne cada vez mais enturmada com a gente de Murray; Lewis se indispõe com todos

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2015/02/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir_22.html antes de ler esta postagem:

Anne parece ter convencido Lewis a retornar ao convívio dos festivos amigos de Murray...
Acomodaram-se um ao lado do outro... Mas aconteceu que ele preferiu entreter-se com a bebida enquanto Anne participou animadamente da conversa...
Falavam sobre literatura e as motivações (ou desmotivações) dos escritores em seu ofício... Isso era algo do qual ele poderia participar, pois lhe dizia respeito... Mas sempre que lhe dirigiam alguma pergunta, respondia com “grunhidos” sem sentido.
De sua parte, Anne falava de bom grado... Disse que, pelo menos na França, muitos escritores questionavam se havia algum sentido em permanecer escrevendo... É claro que ela se referia às inquietações de Robert e Henri.
Enquanto as palavras de Anne provocavam discussões acaloradas, Lewis mantinha-se apartado... Ela sabia que ele não gostava de teorizações... De repente Lewis falou bruscamente que, se as pessoas questionarem demais por que e para quem se escreve, simplesmente não se produzirá texto nenhum... E depois perguntou a respeito de quem se interessaria por perguntas como aquelas que o grupo estava discutindo... Ele mesmo respondeu que apenas os “escritores que ninguém lê” pretendiam as divagações.
Sua atitude foi provocativa e gerou certo mal estar porque vários dos presentes eram “escritores que ninguém lê”... O simpático Murray conseguiu minimizar a opinião... Logo Lewis se aquietou junto ao seu copo, e depois de uns quinze minutos retornaram para a casa do anfitrião.
(...)
O dia seguinte foi de muita chateação para Anne... Lewis mostrava-se de mau humor e foi a contragosto que suportou o menino Dick, ensinando-lhe alguns golpes de boxe e levando-o para nadar.
Murray não se importava, pois conhecia bem o amigo... Mas e quanto a Ellen? Anne sentia por ela... Ao mesmo tempo tinha esperança de que o seu amado logo superaria a indisposição provocada pela bebedeira da noite anterior.
(...)
Mas aconteceu que a expectativa de Anne não se confirmou...
Ela estava cada vez mais familiarizada com Murray e a esposa, mas Lewis não quis saber de conversa... Ninguém ousava interrompê-lo durante o longo período em que passou lendo jornais.
As horas se passaram, novo dia começou e Lewis permaneceu “bronqueado”... Parecia que fugia de algo, pois evitava falar com as pessoas... Ellen foi surpreendida ao vê-lo assumir todo o serviço de limpeza da casa, “desde o porão ao sótão”.
(...)
Aos poucos Lewis retomou o convívio, e durante o almoço procurou ser um pouco mais gentil...
À tarde aceitou ir à praia e revelou que estava muito irritado com o garoto... Era capaz de torcer-lhe o pescoço se viesse incomodá-los. Foi Anne quem observou que ele mesmo era culpado daquela situação porque havia sido solícito demais com Dick logo que chegaram... Lewis não queria saber e se referia ao menino como “fedelho sujo”.
Como que a se explicar, Lewis dizia que era assim mesmo... Num primeiro momento ele sempre “se entregava”... Anne o alertou que era preciso levar em conta que os outros “também existem”.
Não puderam prosseguir com este diálogo (que certamente desembocaria na relação deles) porque o garoto se aproximava... Dick vestia camisa xadrez e trazia à cintura os apetrechos de cowboy... Chegou perguntando por que Lewis havia se instalado ali, pois ele o esperava mais acima... Estava cobrando o cumprimento da promessa que havia lhe feito, de passearem de bicicleta naquela tarde.
Lewis foi dizendo que não estava com vontade... Dick explicou que ele havia lhe prometido no dia anterior... Lewis desconversava como que a dizer que o menino entendera tudo errado.
Aconteceu que o menino deixou-o muito irritado porque o segurou pelo braço e começou a puxá-lo... Foi com violência que Lewis se desvencilhou... Sua fisionomia fez Anne lembrar-se da ocasião em que ele aplicara o chute na escultura perdida na floresta da Guatemala (ver http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2015/02/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir_4.html).
Ela tentou remediar a situação e disse ao garoto que poderia fazer o passeio com ele... Mas o menino insistia que queria a companhia de Lewis... Anne explicou que ele estava cansado e tinha “coisas para pensar”...
Dick forçou a barra e quis saber se Lewis tinha intenção de permanecer por ali... Ele também ficaria e depois podiam treinar boxe e nadar... Sem esconder sua irritação, Lewis negou qualquer interesse.
(...)
Anne conseguiu dissuadir o garoto. Disse que precisava ir ao centro e que, se a acompanhasse, poderia comprar-lhe revistas... Ficaria satisfeita em ouvir suas histórias pelo caminho...
Depois disso, Dick virou as costas para Lewis.
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto

“Os Mandarins”, de Simone de Beauvoir – passeios por Rockport; os amigos de Murray admiram a inteligência de Anne; Lewis fala sobre a Guatemala e atrai a atenção das garotas; misógino?

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2015/02/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir_17.html antes de ler esta postagem:

Rockport ainda não estava concorrida... Era início de temporada...
Anne parecia se sentir bem acomodada na propriedade de Murray. O jantar foi generoso e, como o ambiente era amistoso, concluiu que haviam feito bem de aceitarem o convite...
Essa sensação de satisfação tornou-se maior depois da chegada de visitas... Alguns conhecidos de Murray apareceram... Sempre curtiam o verão no vilarejo. Ficaram encantados com a francesa... Os tipos eram falantes e a encheram de perguntas.
Murray se divertiu ao propor temas de discussão como “relações entre psicanálise e marxismo”... Anne se empolgou e demonstrou conhecimento e desinibição. Era notável como atraia a atenção de todos.
Lewis preferiu não participar e, em vez disso, auxiliou Ellen no preparo de bebidas e sanduíches.
(...)
Quando todos se recolheram, Lewis comentou a sua admiração ao notar o engajamento de Anne com Murray e os amigos... Haveria um cérebro naquele “craniozinho”?
Ele via em Anne “outra coisa” diversa de uma intelectual capaz de provocar discussões filosóficas... De sua parte, era como “outra coisa” que ela pretendia permanecer em seus braços.
(...)
O amanhecer do dia seguinte trouxe tudo o que os veranistas desejavam... Calor, céu azul, mar convidativo... Os Murray emprestaram suas bicicletas ao casal.
Anne e Lewis pedalaram até a aldeia. Ela não se cansava de enaltecer a bela manhã... Ele comentou que sua “pobre gaulesinha” não precisava de muito “para sentir-se no paraíso”.
Anne comentou que o céu, o mar e a companhia do amado não eram pouca coisa... Lewis concordou e disse que é preciso mesmo contentar-se com o que se possui...
À tarde, ele se dedicou às brincadeiras do menino Dick na areia... À noite, Murray levou-os à casa de amigos. Então foi a vez de Anne se surpreender com a disposição de Lewis para uma boa conversa...
De fato, ele parecia demonstrar empolgação ao falar sobre a Guatemala... Tanto é que despertou o interesse e a curiosidade de todos. Lewis não escondeu suas habilidades dramatúrgicas e todos riam a valer quando imitou os pequenos índios “trotando com seus fardos”...
As pessoas ficaram admiradas e comentaram que ele podia ser ator... As mulheres presentes pediam novos relatos, mas ele garantiu que não se interessava por narrativas sobre viagens.
Anne notou que a sua espontaneidade era sedutora... Não era por acaso que várias mulheres o cercaram enquanto se encaminhou para a mesa com bebidas. A cena chamou a atenção de Anne, mas logo concluiu que o escritor a atraia por motivação bem diversa daquela que aparentava para aqueles tipos.
(...)
O ambiente concentrava artistas que afluíam para o vilarejo naquelas ocasiões. Também Anne não se acanhou... E nem havia motivo para isso... Cantou, dançou e conversou com aquelas pessoas, inclusive com o guitarrista da banda que se apresentava. Foi assim que ficou sabendo que o rapaz havia sido demitido da rádio há pouco tempo por causa de suas “ideias avançadas”.
De repente Anne percebeu que Lewis não estava em nenhuma das rodas de conversa... Murray não tinha a menor ideia a respeito de seu paradeiro... Não seria improvável se resolvesse sair com uma daquelas que há pouco o ouviam com admiração.
Ela bem sabia que corria o risco de encontrá-lo acompanhado... Neste caso, Lewis não ficaria contente ao ser flagrado com outra... Mesmo assim, Anne correu o risco...
Lewis estava sozinho num dos bancos do jardim... Fumava... Pelo visto queria um pouco de sossego. Anne o encontrou e de modo amistoso foi dizendo sobre a possibilidade de estar na companhia de mulheres...
A resposta dele foi no mínimo conservadora... Falou que o melhor que poderia ocorrer seria um barco as levarem todas para o meio do mar e largá-las à própria sorte na água... Disse isso para deixar claro que não se simpatizava com aqueles tipos... Depois fez um comentário sobre as indiazinhas de Chichicastenango, que estavam sempre em silêncio aos pés dos maridos. Anne se lembrava da fisionomia das indiazinhas... Lewis prosseguiu comentando que jamais tornariam a vê-las...
(...)
O que Anne pensava a respeito dos juízos do amado? Ela não faz nenhuma referência... Apenas observa a sua expressão saudosista e deseja que um dia ele se recorde dela com a mesma ternura.
Ele sugere passearem, pois a noite estava convidativa... Ela adverte que precisavam voltar porque os amigos de Murray notariam a falta deles... Não seria nada gentil desaparecerem de súbito.
Lewis garantiu que nada tinha a dizer ou a ouvir daqueles tipos... Depois gracejou dizendo que gostaria de uma esposa indiazinha que o seguisse e não implicasse com suas decisões.
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Ron Mueck – exposição na Pinacoteca do Estado de São Paulo – considerações II; interpretação livre

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2015/02/ron-mueck-exposicao-na-pinacoteca-do.html antes de ler esta postagem:

Cada um faz a própria “viagem”... Permitam-me a proposta que segue:

Você pode percorrer a exposição como se ela representasse a “trajetória de um sonho”.
A primeira peça é o autorretrato adormecido (Mask II)... Ali está o “artista num profundo sono”... De certo modo isso reforça a proposta.
(...)
As peças seguintes poderiam ser entendidas como “cenas do sonho” (ou de uma série de fragmentos de sonhos).
Escrever sobre cada uma delas é tentador...
Há sempre os riscos de cometermos equívocos gritantes... Você entende, eles fazem parte.
(...)
Tudo é possível num sonho...
Vemos um tipo acomodado numa boia de piscina (À deriva)...
Por qual razão a peça é a única que está afixada na parede?
Um colega a definiu como um “crucifixo moderno”... E não é que pode ser isso mesmo?
Essa interpretação (somada ao título) nos leva a tantas outras reflexões...

O garoto (a peça de pouco mais de 60 centímetros é chamada de Juventude) observa o machucado grave (um corte produzido por facada?)... Sua roupa tem marca do sangue... Isso nos leva a imaginar um trauma recente, mas a sua fisionomia não é a de quem se mostra preocupado com o ferimento, a perda de sangue e suas consequências.
(...)
Há dois casais – o jovem (Jovem casal) e o “veterano” (Casal sob um guarda-sol)... Será por acaso que o “veterano” (acomodado sob o guarda-sol) tenha sido instalado exatamente no último ambiente da exposição?
O “casal jovem”, representado em escala menor, poderia significar o “passado” do “casal veterano”, representado em escala bem maior?
(...)
O que dizer da velha camponesa (bem pode ser a representação de uma camponesa de tempos antigos) que carrega gravetos, ou do homem no barco (Homem num barco)?
Os dois estão nus...
Não é algo bem típico de sonhos?
(...)
Vemos a camponesa e podemos pensar na condição da mulher e sua labuta pela sobrevivência dela e a de seus agregados... Seria muita pretensão afirmar que a imagem nos remete à figura da mãe? Aqueles gravetos trarão calor, possibilitarão luminosidade ao lar, e servirão para preparar a alimentação dos filhos...
A frágil e imensa embarcação não é conduzida pelo homem. Ele não tem controle sobre ela e não demonstra condições de controlá-la.
Talvez pudéssemos pensar o barco como uma metáfora da própria vida...
(...)
Há uma “mãe moderna” que carrega junto ao peito (que ampara e alimenta) o filho recém-nascido. Sob o casaco ela o aquece... Suas mãos estão ocupadas com as compras (o título da obra é Mulher com compras)... Seu olhar se dirige ao que está à frente.
Podemos dizer, a partir da proposta e da ilação anterior – sobre os casais -, que aqui haveria uma inversão... É que o elemento “do passado” (Mulher com galhos) está representado em escala muito maior do que a “mãe moderna”.
(...)
Os entendidos dizem que a escultura do imenso frango “abatido e limpo” é referência à “gripe aviária” que ressurge com certa constância nos noticiários...
O que dizer desta Natureza morta?
Em primeiro lugar, que é perfeita em todos os seus detalhes... “Ultrarrealista”, como os entendidos também dizem...
Como ela se “encaixaria” nesta maluca interpretação?
Algo tão antigo... No mínimo poderíamos sustentar que as epidemias assustam. É sempre chocante (um pesadelo mesmo) saber que alguém morreu vitimado pelo contágio de uma variação da gripe...
As pessoas custam a admitir que o frango (delicada ave há tanto tempo domesticada pelos humanos) pode transmitir a doença...
O frango “abatido e limpo” de Mueck está pendurado para a apreciação de todos... Talvez o seu tamanho gigantesco e “ultra desproporcional” (perfeitinho até no corte da lâmina que atingiu o seu pescoço) tenha a ver com a grandiosidade do “perigo invisível” que ele representa.

P.S: O último dia para visitação é 22/fevereiro...
Um abraço,
Prof.Gilberto

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