Como sabemos, a história tem início com o velho Tião descansando no “banco de sempre”... Na verdade, dessa vez o seu cochilo diário na praça foi interrompido por uma bola que certo garotinho deixou escapar... O brinquedo rolou para perto dele e o despertou.
Tião cumprimentou a jovem babá. Notou que ela era bela e que estava preocupada em socorrer o menino em prantos... A jovem estava decentemente trajada e pedia desculpas com certa insistência, mas logo se despediu e retornou ao seu ofício de pajear o pequeno.
A cena parecia uma repetição de outro tempo...
(...)
No banco ao lado havia um
jornal. Já que não voltaria a cochilar, Tião tomou as folhas para entreter-se
lendo. A data do periódico (20 de julho de 2012) o levou a refletir sobre
acontecimentos de 80 anos atrás.
(...)
O velho Tião se vê naquela mesma data, no distante
1932. Sua memória o leva a um local entre a Barra Funda e os Campos Elíseos...
Ele se vê diante de uma banca de jornal...
Aqueles eram dias de agitação na cidade. A Folha da Noite estampava em sua página principal a fotografia de um
líder que conclamava os cidadãos paulistanos a engrossar as fileiras dos
combatentes.
Faustino destaca trechos de textos daquele periódico
que chamou a atenção do jovem Tião:
São Paulo de Borba
Gato, São Paulo de Anhanguera... raça bandeirante... essa é a hora de
engrossarmos os batalhões revolucionários voluntários (...)
(A revolução) vai derrubar,
arrasar o ditador Getúlio Vargas e recuperar nossa honra, nossa grandeza e
nossa liberdade.
E mais:
A Legião Negra está
dando um exemplo comovente ao Estado de São Paulo. Ao primeiro apelo dos seus
dirigentes, todos correram para defender a terra bem amada, a terra do
trabalho, a terra que não para de abrir os seus braços de concórdia brasileira
e universal. A sociedade bandeirante deve guardar eternamente no coração a
lembrança da raça negra...
(...)
Em julho de 1932, Tião
ainda não contava 20 anos... Vivia num cortiço localizado no Bairro do Bexiga
com Rosa e os filhos.
Isso não era impedimento
para seus flertes direcionados às jovens que trabalhavam nas casas das
madames... Tanto isso é verdade que o vemos desprezar imediatamente os artigos sobre
a Legião Negra logo que notou a passagem de uma babá encarregada dos cuidados
de três pequenos loirinhos.
Por um instante, Tião
seguiu a moça de tez escura e tranças bem arranjadas por laço de fita branca...
À distância, percebeu que ela dirigia algumas palavras em inglês aos pequenos
(era bem provável que fossem filhos de algum funcionário inglês da ferrovia).
Um bonde elétrico (vermelho, e por isso apelidado de “camarão” pelos
usuários) da Light, daqueles com laterais fechadas, passou e fez com que Tião
perdesse a bela babá de vista.
(...)
Conforme narra a lembrança
que Tião guardava daquele 20 de julho de 1932, Faustino descreve a paisagem do
centro da cidade marcada pelos paralelepípedos de suas ruas, os trilhos dos
bondes...
Temos também uma ideia dos “potenciais passeios” que
um jovem poderia oferecer à sua pequena: Cinema-Theatro Santa Helena (na Praça
da Sé); casas de chá na Rua São Bento; uma sorveteria no Largo do Rosário...
Os bondes seguiam apinhados... Alguns deles não possuíam laterais (como
o modelo “camarão”) e os passageiros eram transportados acomodados nos
estribos...
Desde 1926 a cidade contava com uma Guarda Civil organizada
para auxiliar a Força Pública (não havia a Polícia Militar nos moldes que se
conhece)... Aquela Guarda era considerada a “elite da segurança paulista” e era
inspirada no modelo londrino, seus quadros trajavam uniformes impecáveis (“terno
e quepe em azul-marinho”) e estavam sempre atentos às possibilidades de
distúrbios.
(...)
Pobre Tião... O que poderia fazer se alcançasse a jovem babá?
Ele não tinha dinheiro.
Sua vida no cortiço não era nada fácil...
Não passava de um “negro biscateiro” cuja lida era
carregar mercadorias no Largo da Banana.
Leia: A Legião Negra. Selo Negro Edições.
Um abraço,
Prof.Gilberto