Na capital, Maria continuava a acompanhar o noticiário transmitido pelo rádio... Era com animação que o locutor bradava que São Paulo estava em guerra civil e que um novo país surgiria do conflito.
É verdade que a cozinheira havia vacilado um pouco em relação às diferenças entre os paulistas e Vargas... Mas o rádio prosseguia apresentando bons motivos para que a sua simpatia pela “causa bandeirante” crescesse.
O noticiário revelava que a Legião Negra contava mais de 3 mil voluntários... Maria e os demais ouvintes negros acabavam reconhecendo o seu vínculo com os combatentes da Legião que tombavam em batalha.
(...) Jamais será vão o martírio do fuzileiro da 1ª Companhia, Melchiades Neres Campos, herói ousado que atacou e dizimou dezenas de adversários. Ferido, preso, chicoteado e amarrado com cordas a um cavalo, foi arrastado, até a morte, pelos campos de Guapiara. Salve fuzileiro Melchiades Neres Campos. Salve! Salve!
A cada notícia como essa, Maria se sentia como se tivesse perdido um parente próximo... Sua emoção atingia o ápice quando, após o anúncio da morte do soldado negro, o rádio transmitia uma música “marcial e pomposa”...
(...)
Não havia como não se empolgar com a abnegação dos
negros...
Novos batalhões se mostravam prontos para partir para o front... Esse
era o caso da 3ª Companhia do Batalhão Conselheiro Rebouças, comandado pelo
tenente Pedro Leite Mendes... O grupo de bombardas pesadas da Legião comandado
pelos tenentes Joaquim Rudge e Anacleto Bernardes passou por Quitaúna... O Batalhão
Henrique Dias combatia com bravura...
As narrativas emocionantes faziam com que Maria se interessasse ainda
mais pela guerra...
(...)
O noticiário alimentava a sensação de que todos aqueles batalhões eram
formados por pessoas muito próximas... A própria Maria imaginava os soldados
negros como parentes apresentados pelo rádio... Mesmo sem ter ideia de quem
podiam ser aqueles militares (o texto cita ainda os nomes de Newton Ribeiro de
Catta Preta, Alexandre Seabra de Mello, Mário Leão, tenentes Henrique e Silva
Barros, capitão Januário dos Santos), todos a enchiam de orgulho.
(...)
O rádio só podia enaltecer os contingentes negros... As transmissões continuavam
a chamá-los de eficazes “heróis que lutavam com desassombro”...
Fica a pergunta... Será que
o povo negro seria tão elogiado no rádio se não estivesse compromissado com a
Revolução da “brava gente bandeirante”?
(...)
Maria já nem dava atenção à
radionovela, pois se interessava apenas pelas narrativas sobre as frentes de
combate... Também não tinha tempo para reflexões sobre a possível manipulação
dos noticiários que envolviam os batalhões da Legião Negra... Às vezes ela se
desligava de tal maneira ouvindo o seu aparelho que se esquecia das panelas na
cozinha!
E não era só a
cozinha... A mansão tinha mais de vinte cômodos! Ela e Quintiliana tinham de
dar conta de tudo.
(...)
É preciso retornar à complicada situação de Miro...
Vimos que, como que por
milagre, ele escapou de Marilândia...
O povo local o escorraçou...
Ensopado, ferido na cabeça e com pouco dinheiro, teria de recomeçar a
vida...
Mas onde? Não podia se arriscar a voltar para São
Paulo, de onde tinha fugido há pouco mais de um ano... Miro calculava que a
polícia política ainda o perseguisse e a antiga pensão ainda estivesse sob
constante vigilância.
Na estação da Luz, resolveu
pegar novo trem para Santos... Trabalharia no cais do porto, ajudaria a
carregar e a descarregar navios.
Os xingamentos dos habitantes de Marilândia despertaram-lhe
na consciência a convicção de que se tratava de um negro... Então deveria
arranjar algum serviço destinado aos pretos.
Leia: A
Legião Negra. Selo Negro Edições.
Um abraço,
Prof.Gilberto