Santos Dumont se suicidou em 1932...
O “pai da aviação” estava mesmo muito deprimido... Os tempos gloriosos haviam passado para ele. Ele padecia também de esclerose múltipla...
Residia no Grande Hotel de la Plage, no Guarujá...
Conta-se que “ao ouvir o ronco das aeronaves das forças federais”, que seguiam para bombardear São Paulo, ele soltou gritos de pavor... Não suportou o fato de ter sido o inventor da “desgraça do mundo”... No dia 23 de julho trancou-se no quarto e se enforcou com duas gravatas.
(...)
Pelo rádio, Maria ouviu os comentários sobre a
tragédia que marcou o fim do ilustre brasileiro... Os locutores concluíam que o
lamentável episódio só podia ser creditado ao governo federal.
Por aqueles dias a patroa resolveu seguir para o alistamento... Ela
acomodou a sua cozinheira no automóvel dirigido por Otacílio, chofer da
família, que há muitos anos trabalhava para a mansão...
A madame daria a sua
contribuição à revolução, e era com satisfação que também encaminhava a
empregada... Sem dúvida, contribuir para a vitória de São Paulo era uma honra.
A mulher solicitou ao motorista que fizesse um caminho
mais longo... Passaria em alguns estabelecimentos para comprar pães finos para
o chá da tarde...
Maria estava no banco da frente e era com admiração que contemplava as
ruas do centro... Ficou encantada com os postes e os lampiões a gás... Pensava
sobre a trágica morte de Santos Dumont...
(...)
Largo do Café, Largo São Bento, convento dos beneditinos, Viaduto Santa
Efigênia, Estação da Luz, Estação da Sorocabana, Campos Elíseos...
Logo divisaram a Chácara do
Carvalho, sede da 2ª Região Militar... A madame não pôde se conter de emoção ao
recordar dos tempos em que, junto ao marido, frequentava as festas promovidas
pela família Prado... Eram encontros fabulosos e a gente rica não dispensava aquelas
oportunidades.
A patroa destampou a falar sobre certas particularidades
dos dourados tempos de outrora... Disse que o marido praticara hóquei a cavalo
naquela chácara com o doutor Veríssimo e o doutor Martinho Silva Prado... Sobre
este último, disse que era marido de dona Veridiana; que ele era tio dela e que
era 14 anos mais velho do que ela; e que (diziam), na mansão de Higienópolis,
viviam separados...
A patroa parecia se divertir com seu conhecimento sobre as
particularidades da gente granfina... Mas ela mesma nem podia ter tanta certeza
de suas recordações, já que em 1910, quando o velho Martinho Prado morreu aos
83 anos, era apenas uma garotinha.
(...)
Ela ordenou que o motorista Otacílio parasse o carro próximo de uma
banca de jornal... A banca do português Quincas... A mulher quis ler a primeira
página de um jornal que estava exposto. O texto versava sobre o civismo das
mulheres de São Paulo e sua dedicação à guerra...
O jornal comparava o
esforço das paulistas de 1932 ao brio das esposas dos bandeirantes dos tempos
coloniais, que se negavam receber os maridos se esses regressavam derrotados de
suas empreitadas pelo interior...
Cozinheiras, enfermeiras, coletoras de donativos, costureiras... Cerca
de 50 mil mulheres eram aguardadas para o alistamento que certamente resultaria
em reforço do “caixa do estado”. Algumas delas seriam encaminhadas para o setor
de “produção de material bélico leve”...
A patroa quis saber de
Maria para qual departamento ela pretendia se encaminhar... A empregada não
sabia dizer, e respondeu que iria para onde estivessem precisando mais... Para
onde a mandassem...
(...)
A madame sentiu firmeza
nas palavras da outra... Lamentou que Quintiliana não pudesse se alistar, já
que tivera de viajar para participar do sepultamento do pai...
(...)
Numa outra folha de jornal, a patroa entendeu que a indústria do estado
estava se adaptando aos esforços de guerra, e que as mulheres ficaram com a
missão de arrecadar “ouro para o bem de São Paulo”...
Uma reprodução fotográfica mostrava
ao leitor que os modernistas (Tarsila do Amaral, Anita Malfati, Mário de
Andrade e Menotti Del Picchia) “marchavam com a classe média na campanha
cívico-revolucionária”.
O ouro arrecadado servia a diversas finalidades... Um
dos jornais informava que foram construídas Casas do Soldado e postos para
prestação de socorro e outros serviços aos que se feriam em combate... Também
fundaram uma “Casa da Formiga”, que ampararia os filhos dos combatentes...
(...)
A patroa de Maria tocou por um instante os próprios anéis e aliança...
Parecia certo que teria de se desfazer deles...
Ela nada disse, mas a empregada em seu silencia podia
imaginar o que ela pensava naquele instante...
A cidade estava mobilizada... E era isso o que se podia depreender dos
jornais:
igrejas, conventos,
clubes, asilos, orfanatos, hospitais, associações, bazares e alguma mansões das
famílias tradicionais transformaram-se em base de apoio logístico para o
exército constitucionalista. Os batalhões em traslado, muitas vezes, se abrigam
nas escolas, cujas aulas foram suspensas.
Sem perder mais tempo diante da banca, a patroa
locomoveu-se a passos largos em direção à chácara... Maria a acompanhou com
decisão.
Leia: A
Legião Negra. Selo Negro Edições.
Um abraço,
Prof.Gilberto