O velho Tião se recorda da história que Miro (seu ídolo na Legião Negra) viveu na pequena cidade de Marilândia Paulista...
Muitos anos se passaram desde que tudo aquilo ocorreu... Mas Tião sabe bem que na ocasião em que Miro fez a sua narrativa (estavam nas proximidades de Queluz, num momento de trégua entre os combates contra as tropas fiéis ao governo Vargas) os episódios eram ainda bem recentes.
(...)
Vimos que o rapaz não
esperava encontrar em tão pouco tempo um local onde pudesse se estabelecer
longe da capital e das perseguições da polícia política... Foi por sugestão do
caixeiro-viajante, Salim Engelsdorff, que decidiu se instalar na Hospedaria
Paraíso da pequena cidade de Marilândia Paulista.
Sua fama de “médico dos bons” cresceu assustadoramente
entre as pessoas simples do lugar desde que acertou no tratamento das dores que
dona Margarida sofria.
Sabemos que o rico italiano dono de terras, comendador Vamparazzo, se
aproximou de Miro e procurou convencê-lo a se instalar definitivamente na
cidade.
Enquanto o doutor não se decidia, o comendador, que
também era ex-prefeito e exercia muita influência na região, convenceu-o a
tratar das prostitutas agregadas junto a Brigitte no bairro do Barreiro.
O atendimento às pacientes foi rápido e eficiente... De certo modo,
Vamparazzo avaliava a atuação de Miro. Ele ficou tão satisfeito com o que viu
que lhe ofereceu a possibilidade de permanecer com Brigitte até às seis da
tarde, quando seria levado de volta para a hospedaria.
Estamos neste ponto em que Miro se recusou a aceitar o agrado, pois não
era “dado àqueles costumes”.
(...)
Como que a se desculpar, o italiano disse que compreendia, e que era com
sinceridade que estava disposto a ceder-lhe Brigitte até a chegada do chofer.
Mas Miro insistiu que preferia aguardar na varanda...
Brigitte fez uma de suas
meninas providenciar um forte café para o doutor... Ele e o doutor permaneceram
na varanda esperando o tempo passar... Apreciador de charutos, Vamparazzo dava
suas baforadas em silêncio até iniciar uma falação a respeito de seu passado em
Marilândia e sobre os projetos que o incluíam.
O homem soltou frases em
italiano, e para a sua surpresa, Miro o respondeu na mesma língua...
Cada vez mais o ex-prefeito
se convencia de que Miro era o tipo ideal com o qual poderia firmar uma
aliança... Ele esclareceu que gostava muito de Brigitte e que quando lhe deu a
oportunidade de ficar com ela estava fazendo um teste... Justificou que isso o
ajudou a conhecê-lo melhor.
E é por isso que ele podia garantir que estava pronto para oferecer ao
Miro a oportunidade de ter uma clínica completa na cidade... Sustentou que não
lhe faltariam laboratório e os remédios que a população mais necessitava... O
doutor não teria a menor dificuldade em atender os casos mais simples...
O projeto de Vamparazzo era
ousado! Ele explicou que os casos mais graves também não ficariam sem
atendimento... Miro faria o diagnóstico e eles seriam encaminhados de
ambulância (isso também seria providenciado) à cidade de Dianópolis (também
fictícia; localizada há mais de 100 quilômetros de Marilândia).
(...)
A aquisição da ambulância certamente impressionaria a
comunidade simples...
Vamparazzo falava com autoridade... Estava decidido...
Miro respondeu que ele só podia estar louco... Mas o
italiano argumentou que era com a razão que estava tomando aquelas decisões...
Principalmente porque o modo de ser e de se comportar do doutor o haviam
convencido.
(...)
Vamparazzo falou mais a respeito de sua vida... Disse que veio para o
Brasil na passagem do século XIX para o XX... Na Itália lidava com a terra e
cultivava vinhedos... Notou que os fazendeiros no Brasil se enriqueciam, porém
não tratavam a terra como se deve... Falou que a terra necessita de muita
dedicação, e é por isso que pode ser comparada às mulheres... A terra não pode
ser sugada e depois abandonada... Lamentou que parecesse bem provável que os
fazendeiros brasileiros tratassem suas mulheres da mesma forma que tratavam a
terra.
Todas essas palavras do italiano chamaram a
atenção de Miro... Mas em suas reflexões surgia uma dúvida: aonde ele queria
chegar com toda aquela falação?
Leia: A
Legião Negra. Selo Negro Edições.
Um abraço,
Prof.Gilberto