Também em 1965 Kapuscinski escreveu sobre os acontecimentos políticos na Argélia... O país ainda não completara três anos de sua independência em relação à França (julho de 1962) quando o seu primeiro presidente, Ahmed Ben Bella, foi destituído do poder por um golpe militar (19/junho/1965).
Kapuscinski apresenta a sua análise sobre o panorama do país e as possíveis causas de sua instabilidade. Faz isso destacando a histórica resistência argelina aos colonizadores, as personalidades político-militares, as características de alguns deles e da sociedade de então.
(...)
Ben Bella foi destituído às
duas da manhã, num momento em que ocorria a mudança da guarda...
O autor de A
Guerra do Futebol explica que ele era um tipo muito simples... Sua casa,
chamada de “Villa Joly”, situava-se na Avenue Franklin Roosevelt, a meio
caminho do ambiente dos mais ricos (o luxuoso bairro “Hydra”, que era repleto
de mansões) e do centro de Argel, conhecido pela alta concentração populacional
e temperaturas mais elevadas.
Ele vivia sozinho e não tinha hábitos extravagantes... O carro que
utilizava era um Peugeot de modelo simples (um 404, que em outros países da África transportava funcionários de
baixos escalões e, no máximo, diretores de departamentos)... Modesto,
alimentava-se apressadamente e sem regularidade. E mesmo os seus ternos chamavam
a atenção por não serem de melhor qualidade.
(...)
O presidente, que contava quarenta e seis anos, não se
importava com essas aparências...
Kapuscinski tivera
oportunidade (em Addis Abeba) de conhecê-lo pessoalmente dois anos antes desse golpe militar. As impressões mais
marcantes que ficaram de Ben Bella foram a sua aparência jovem e também a sua
obstinação impulsiva... Ele aparentava contar uns dez anos menos, e seu “estado
de espírito” mudava de uma hora para outra... E isso fazia dele um tipo
inquieto e agitado por temas que discutia apaixonadamente... Às vezes podia
ocorrer de pronunciar graves juízos de modo empolgado e, no instante seguinte,
demonstrar-se arrependido sem assumir responsabilidade pelos equívocos.
Sem citar nome, o autor diz que um de seus antigos colaboradores admitiu
que, no governo, Ben Bella adotava esse mesmo procedimento... Segundo ele, não
seria de estranhar que logo as pessoas ficassem sem saber o que esperar de sua
parte.
(...)
Sabe-se que durante a época em que esteve preso (1956-1962), Ben Bella
podia ficar durante muito tempo na mais completa quietude, totalmente imóvel e
sem movimentar sequer um único músculo de sua face... Passado o seu momento de
relaxamento, despertava e proferia frases acompanhadas de gestos vigorosos...
Depois, como se estivesse cansado, voltava a se acalmar e sorria para os
interlocutores...
Também por isso ele chamava a atenção das pessoas... Muitos ficavam fascinados
com a sua presença incomum... Difícil saber se (em seu interior) ele era um
tipo perturbado...
(...)
Outra característica marcante de Ben Bella era o fato
de ser um apaixonado por futebol (sabe-se que atuou como jogador num famoso
clube francês durante uma temporada)...
Mesmo depois que assumiu a
vida pública não deixou de apreciar partidas futebolísticas... Inclusive seus
compromissos políticos eram entremeados por jogos em que ele fazia questão de
atuar.
Nessas ocasiões também participavam
ministros como Abdelaziz Bouteflika* (das Relações Exteriores), que não perdia a
oportunidade sempre que podia calçar as chuteiras para correr atrás da bola...
De acordo com Kapuscinski, Bouteflika viria a ser um dos principais
articuladores e coordenadores do golpe contra Ben Bella.
*
Abdelaziz Bouteflika é o atual presidente da
Argélia
(seu mandato se iniciou a
27/abril/1999).
Leia: A
Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto