Poderíamos pensar que Ben Bella conseguiria se estabelecer no governo ao se livrar dos inimigos políticos, encarcerando-os... Mas não foi o que ocorreu.
Segundo Kapuscinski, ele não controlava nenhum dos “braços do poder” (partido, aparelho do Estado e exército)... Como se sabe, sua aliança com o exército havia sido composição tática... Preocupado apenas em não arcar com perdas salariais, o aparelho de Estado fazia oposição aos seus projetos... Suas iniciativas sofriam questionamentos do partido, que possuía comitês espalhados pelas províncias, onde as discussões lhe escapavam.
Na verdade Ben Bella personificou o poder e não deu grande importância ao partido, que ele entendia como um grupo que devia colaborar e se submeter às suas necessidades...
(...)
E
a maioria entendia que Ben Bella pouco fez para resolvê-los. Como se sabe,
havia diversas situações que contribuíam para o fracasso de sua
administração... O setor privado estava uma desorganização só; dificilmente se
resolveria o problema dos milhões de desempregados; os servidores públicos
apresentavam diversas deficiências na condução de suas obrigações; o déficit
público era imenso...
E
para piorar, percebia-se enorme distância entre as intenções do governo e a
realidade do povo argelino... Para Kapuscinski, esse quadro não era
desconhecido pela maioria dos países de terceiro mundo... Normalmente a saída
encontrada por suas lideranças era o da ditadura ou o das atividades “voltadas
para além de suas fronteiras”.
Os
vários reveses internos eram compensados por Ben Bella por sua política
externa... Ele ganhou muito prestígio internacional e dedicou-se
apaixonadamente a certas iniciativas que colocavam a Argélia em posição de
destaque entre os países subdesenvolvidos... Muitos líderes políticos
estrangeiros visitavam-no, e ele fazia questão de recebê-los por longas
horas... Diz-se que ele sabia agradar e que os visitantes sentiam-se seduzidos
por suas ousadas palavras...
Seus
projetos incluíam ajuda militar às guerrilhas de Angola e Moçambique... Os que
combatiam na África do Sul podiam receber treinamento na Argélia...
A
Argélia seria algo como que uma continuação daquilo que Bandung (Indonésia)
havia sido em 1955... Todavia essas importantes iniciativas eram absolutamente
pessoais, não sendo compartilhadas com a gente de seu governo...
(...)
O Festival Mundial da
Juventude organizado em Argel colocou o país e o seu governante em evidência
internacional.
Os chefes de governos de países africanos e asiáticos
recebiam correspondência de Ben Bella... Pouco antes do golpe de junho, ele
havia acertado uma visita de Chou En-Lai (um dos principais líderes do Partido
Comunista Chinês) e dava como certo um encontro com De Gaulle na França.
Todavia a construção desse
prestígio internacional custou muito dinheiro... Milhões de dólares que podiam
ser direcionados a projetos para a recuperação econômica do país.
(...)
Então a contradição havia
se tornado evidente...
Ao mesmo tempo em que
a Argélia era vista como país dinâmico e revolucionário em sua ousadia política
(sem dúvida, um referencial para os demais países do mundo que lutavam contra a
pobreza e o imperialismo), internamente a opinião dominante era a de que o
governo estagnava a economia, sem apresentar soluções para o desemprego ou o
analfabetismo...
Ben
Bella tornava-se o alvo principal das críticas, mas era certo que os demais
dirigentes preocupavam-se apenas com o burocratismo e viviam envolvidos em
intrigas pessoais que colocavam acima dos interesses da nação.
Os argelinos comuns
entendiam pouco, ou não se interessavam pelas iniciativas voltadas à política
externa adotada por Ben Bella... A situação se tornava ainda mais complicada
porque nem mesmo o governo teria recursos suficientes para tocá-las em frente.
(...)
Ben
Bella era mais líder político do que administrador. Talvez tivesse se afastado
demais dos problemas sociais de sua gente.
Kapuscinski
cita Neyerere (da Tanzânia) e Sékou Touré (da República da Guiné) evidenciando
que também suas iniciativas careceram de recursos financeiros e profissionais
engajados... Problemas de ordem comercial foram decisivos para sua derrocada
política.
O autor lança uma reflexão
sobre a realidade desses países que se colocavam como revolucionários... Tudo
levava a crer que a eles não restaria alternativa além de concretizar seu
projeto político nacionalista...
As negociações a respeito das lutas dos coirmãos
teriam de ser conduzidas por aqueles que estivessem à frente de nações mais
desenvolvidas.
Leia: A
Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto