Lewis viajou sozinho para Chicago... Anne pensou que por 24 horas experimentaria paz de espírito.
(...)
O
dia dera em “muito quente”... A ausência de vento tornara a atmosfera
sufocante.
Depois
de acompanhá-lo ao ponto de ônibus, Anne sentou-se no gramado com alguns
livros... Mas decidiu ler uma carta enviada por Robert. Em síntese, ele mandava
notícias sobre o “processo de Madagascar” (provavelmente uma referência às
repercussões da rebelião emancipacionista malgaxe ocorrida em 1947) e também
sobre um texto de Henri que sairia em Vigilance...
Lamentava a falta de um periódico com maiores tiragem e circulação para que
pudessem exercer influência sobre a opinião pública... Pensavam em organizar um
comício.
Anne
observou um avião cruzando o céu. Pensou sobre o intenso tráfego aéreo da
região, e que um daqueles aparelhos podia levá-la para Paris, onde ouviria
Robert... Depois se angustiou ao lembrar que aquilo fazia pouca ou nenhuma
diferença, pois também ele não reconhecia qualquer benefício que pudesse ser propiciado
pela presença dela. Definitivamente Robert não reclamava a sua participação.
(...)
Ela
passou os olhos pela vegetação e notou que “tudo estava em seu devido lugar”,
esquilos e aves curtiam os espaços como se fossem domésticos... Mas não tinha
como fugir da constatação sobre a falta de razão para a sua permanência... Nem
o país nem o passado de Lewis lhe interessavam... Mais uma vez se entristeceu
ao lembrar-se de que no ano anterior a situação era bem diferente.
Ali
lhe restava um tempo considerável sem ter o que fazer...
Resolveu
tomar banho.
Depois
se dirigiu à geladeira e viu que nada lhe faltava (sucos, leite, carnes,
saladas...). Também os armários estavam abarrotados de mantimentos.
Jantou
e entreteve-se por um tempo ouvindo música... Ligou a televisão sem conseguir
se concentrar em algum programa específico... Ao manipular o seletor de canais,
deu conta de variado conteúdo (toda gama de filmes, comédias, aventuras,
histórias fantásticas, e também boletins informativos, além de “dramas policiais”).
Mais um tempo considerável se passou...
De
repente o monitor permaneceu totalmente branco em todos os canais...
(...)
Paz de espírito?
Anne começou a sentir um medo
que jamais experimentara!
Apavorou-se com a
possibilidade de não conseguir dormir. Ao mesmo tempo imaginou que, se
dormisse, o lugar poderia ser tomado por algum vagabundo, ladrão ou até por
foragidos de asilos psiquiátricos.
O
silêncio da casa era sufocante...
Para complicar ainda mais,
ela ouviu sons que vinham do lado de fora. O estalar de galhos secos
(certamente provocado por algum animal) e o bater da água nas margens do lago chegavam
aos seus ouvidos como aterrorizantes.
Trancou
as portas e deitou-se sem trocar de roupa... Manteve a luz acesa.
Adormeceu,
mas teve um sonho medonho em que a casa era invadida por tipos violentos que
lhe desferiram golpes terríveis.
(...)
Acordou
pela manhã e voltou a ouvir os sons produzidos pelas aves e pelo chacoalhar das
árvores.
Anne
não conseguiu se tranquilizar. A solidão a mantivera nessa condição de a tudo
estranhar...
Mais uma vez trouxe a
frustração do relacionamento com Lewis para seus agitados pensamentos... Aquela
era a casa dele, também os chinelos e o roupão branco... Tudo ali pertencia a
ele...
Todavia aquele que estava sendo aguardado não
era o amado Lewis do passado... Tratava-se de um estranho que havia se
ausentado.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/08/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir.html
Leia: Os
Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto