terça-feira, 19 de julho de 2016

“Os Mandarins”, de Simone de Beauvoir – no evento da mansão de Belzunce; da ridícula condição dos que não se percebem fisicamente envelhecidos; o prestígio do nome Dubreuilh; jovens e velhos aspirantes ao sucesso literário e suas imensas limitações

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/07/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir_78.html antes de ler esta postagem:

Paule insistiu que se tratava de mulher ainda jovem e considerou a amiga rigorosa demais em sua avaliação sobre si mesma... Anne disse apenas que “a gente sente como se sente”.
Logo depois Anne se viu pensando sobre o equívoco da outra... A maioria dos convidados era de tipos de avançada idade, “pessoas passadas”.
Era evidente que os espelhos espalhados pelo salão revelavam a idade de todas que ali estavam... Ao olhar para as demais mulheres podia conferir os diversos sinais de suas idades, peles flácidas e bocas abatidas... Por baixo de alguns daqueles vestidos adivinhavam-se as cintas que corrigiam excessos de gordura...
(...)
Logo depois que a banda deu uma pausa, Claudie se aproximou de Anne... Ela chegou dizendo que estava feliz por vê-la, pois considerava sua presença um sinal de interesse pelos projetos da casa... Emendou que gostaria que ela se integrasse ao grupo.
Anne agradeceu e lamentou por estar muito atarefada... A anfitriã concordou ao afirmar que sabia que ela havia se tornado a “psicanalista da moda”... Disse isso, mas não demonstrou mais insistência em torná-la membro de sua equipe... De certo modo essa frieza desconcertou Anne, que pensou que Paule tivesse exagerado ao dizer que Belzunce fazia questão de sua presença.
Claudie a conduziu até vários jovens que buscavam seu espaço no meio intelectual... Nem todos aqueles tipos eram jovens... Entre várias taças de champanhe e salgadinhos apertou-lhes as mãos... Nas breves palavras que conseguiam trocar com a convidada especial patenteavam seus interesses de conseguir uma entrevista com Robert, um artigo seu para uma nova publicação, uma crítica na Vigilance, talvez de terem o nome publicado nessa “conceituada revista”... Havia os que manifestavam o desejo de serem recomendados para Mauvanes... E também os que pediam conselhos que os levassem ao triunfo.
Obviamente Anne levantou várias suspeitas sobre a competência daquele pessoal... Era evidente que não possuíam “razões verdadeiras para escrever”... Escreviam porque não podiam fazer outra coisa... Decidiram se tornar escritores, mas era bem provável que sequer conseguissem “dialogar com um papel em branco”... Eram tipos estéreis que ambicionavam o sucesso, e apenas isso.
Em seu íntimo, Anne sentia pena de todos eles... Pôde depreender que vários pagavam para que Claudie os tornassem visíveis à sociedade. Não era por acaso que na maior parte do tempo ela esteve cercada por jovens aduladores enquanto concedia entrevistas aos jornalistas presentes.
(...)
A um canto Paule apostava suas fichas em Julien. Sentou-se ao seu lado e cruzou suas pernas (ainda formosas) de modo saliente... Falava-lhe como se tivesse trazido a alma aos olhos... Os mais jovens teriam dificuldades para despachá-la... Esse não era o caso de Julien.
(...)
Um tipo mais velho se aproximou de Anne... Ele insistia que as coisas que dizia deviam ser ouvidas... Não entendia por que ninguém as proclamava ou as publicava... Só mesmo um “velho louco” como ele podia se arriscar... Concluiu seu “cartão de visitas” dando a entender que havia apenas um homem com coragem para apoiá-lo: Robert Dubreuilh.
Educadamente, Anne disse-lhe que Robert certamente se interessaria pelo seu projeto... Ele se animou e prosseguiu dizendo que esperava algo concreto, pois os editores sempre lhe davam atenção e recuavam quando a tratativa de publicação se aproximava. Confiava que com Dubreuilh seria diferente... Não duvidava que ele se interessasse, inclusive, em prefaciá-lo.
(...)
Anne despachou o velho garantindo que falaria com Robert...
Pensou sobre as atribulações cotidianas dos que triunfam... Considerou que os que buscam o sucesso também padecem... Quantas vezes um tipo como aquele propagou suas ideias sem que lhe dessem ouvidos? É verdade que havia publicado dois ou três livros, mas era desgastante saber que nenhum obtivera repercussão positiva... Então buscava uma última chance.
Ela tinha motivos suficientes para desconfiar que também aquela empreitada não desse em grande coisa.
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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