domingo, 21 de agosto de 2016

“O Homem Duplicado”, de José Saramago – para o de Matemática, os problemas do mundo são os problemas que as pessoas têm; breve troca de ideias sobre a fita sugerida pouco antes do início das aulas; Tertuliano soube que o colega também havia notado a semelhança entre ele e o ator da comédia

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/08/o-homem-duplicado-de-jose-saramago.html antes de ler esta postagem:

A conversa na sala dos professores prosseguiu sem que se vislumbrasse consenso ou um ponto final...
Tertuliano pretendia conversar sobre outro tema, mas para não perder o outro de vista disse que não entendia por que pessoas como eles podiam ser considerados culpados pelas crises mundiais... Será que não seria razoável levar em conta as sociedades? O professor que se dedicava aos cálculos numéricos redarguiu que “sociedade” ou “humanidade” são meras abstrações... Para ele, até mesmo a Matemática seria mais concreta do que aquilo que esses conceitos pretendem significar.
O professor de História ainda quis saber o que o colega pensava sobre os estudos da Sociologia... Como resposta ouviu que os chamados estudos sociais são tudo, “menos estudos sobre as pessoas”.
Só lamentações... Tertuliano argumentou que os da Sociologia certamente não aceitariam aquela opinião... O de Matemática admitiu a razão do colega, porém, em sua opinião, ninguém deveria se limitar aos conceitos corporativistas, daqueles que só levam em consideração a defesa do núcleo do qual participam.
Aquela temática tinha de terminar... Tertuliano desejava isso. Então disse que em todo grupo há aqueles que procuram proceder criticamente e com responsabilidade... Mais uma vez o professor de Matemática manifestou coerência de raciocínio e disse que, de certa forma, na tentativa de se buscar uma “desculpabilização universal”, costuma-se chegar à conclusão de que “ninguém é culpado” exatamente porque a culpa está em toda gente.
Haveria algo a se fazer? O próprio Tertuliano arrematou que não, pois os problemas (que chamaram a atenção do colega ao ler o jornal, e que deram início ao diálogo) são de ordem mundial.
O professor de Matemática voltou sua atenção ao jornal ao mesmo tempo em que respondeu que “o mundo não tem mais problemas que os problemas das pessoas”.
(...)
O relógio apontava que o início das aulas estava próximo... Tertuliano não conseguia trazer à tona o assunto de seu interesse... Simplesmente não via sentido em olhar diretamente nos olhos do outro e falar a respeito do filme que ele havia lhe sugerido... E que encontrara no empregado da recepção o seu “retrato vivo”... Evidentemente isso equivaleria a escancarar ao outro o motivo de sua secreta inquietação.
De repente, o professor de Matemática perguntou se havia alugado o filme...
Tertuliano quase não conseguiu esconder sua agitação... Respondeu afirmativamente e emendou que a comédia era divertida... O de Matemática quis saber se depois de assistir à fita se sentira melhor da depressão... No mesmo instante corrigiu-se e disse “marasmo”.
O professor de História disse que o nome do distúrbio que o atormentava não importava... Não é no nome que reside o mal que o aflige... Tanto faz dizer “depressão” ou “marasmo”.
O de Matemática ajeitou seu material porque também tinha alunos a aguardá-lo... Disse que o que importava era o fato de o filme ter feito algum bem para o colega. Para Tertuliano, essa ocasião pareceu ideal para perguntar sobre qual teria sido a última vez que o colega assistira ao filme. Acrescentou que era “apenas uma curiosidade”...
O tipo respondeu que vira o “Quem Porfia Mata Caça” uma única vez, há cerca de um mês, quando certo amigo emprestara-lhe a fita. Tertuliano disse que achava que o colega tivesse a fita em sua coleção... Mas é claro que não! Se assim fosse, o de Matemática a emprestaria, evitando o gasto do de História com a locação.
(...)
Encaminharam-se para os corredores que davam para as salas de aulas... Tertuliano sentia-se aliviado... Talvez porque sentisse que o segredo da duplicação permanecesse unicamente com ele.
Despediram-se...
Depois de quatro passos em direções opostas, o professor de Matemática lembrou-se de perguntar se o colega havia notado que há um ator de papel secundário em “Quem Porfia Mata Caça” parecidíssimo com ele.
Leia: O Homem Duplicado. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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