Anne verificou a caixa de correio...
Myriam escrevera dando notícia sobre sua viagem pelo México com Philipp. Os dois passariam por Chicago e pretendiam encontrá-la.
Desde 1946 não se viam... Anne lembrou-se de ocasião em que Nancy estivera em Paris e lhe dera o endereço de Chicago. Myriam era sua conhecida de um período anterior à convivência com Lewis...
Aos poucos constatou que não conseguia interessar-se pelas notícias recebidas... Além de Lewis, nada tinha importância.
(...)
Desvairadamente, Anne percorreu casa e jardim... Chamou Lewis aos
gritos. Implorou a sua presença insistindo que apenas ele podia salvá-la.
Serviu-se de uísque e engoliu uma benzedrina junto.
Não conseguiu o entorpecimento esperado, então se posicionou junto à vidraça
entreaberta para aguardá-lo.
(...)
Lewis retornou às duas da tarde...
Trazia vários pacotes que escondiam livros, chá chinês, uma garrafa de chianti...
Anne atirou-se sobre ele... Sem o deixar respirar, encheu-o de perguntas
sobre a viagem, se havia se divertido, se ganhou no pôquer, se estava com
fome...
Enquanto se livrava dos pacotes, respondeu que já havia almoçado.
Calçou os chinelos... Então
Anne contou que passara uma noite de muito medo... Falou sobre o sonho em que
tipos estranhos invadiam a casa para assassiná-la.
Lewis explicou que aquilo
podia ser resultado do excesso de bebida. Via-se que ele pretendia descansar...
Mas Anne continuou a sondá-lo, pois sentia necessidade de ser ouvida e de ouvi-lo.
Ele respondeu que ”nada
de extraordinário” ocorrera em Chicago.
(...)
Em seu íntimo ela sabia que sua postura combinava com a das mulheres que
têm consciência do desprezo que sofrem dos maridos... Daí o “excesso de
perguntas e zelo”.
Como quem pretende se
livrar de interlocutor inconveniente, Lewis a tudo respondia com curtas palavras...
Sim e não... Havia jogado pôquer, nem perdeu nem ganhou, não vira Martha,
encontrou Bert, conversaram pouco...
Ele resolveu abrir o jornal... Ela se apossou de um
livro...
Anne não lia, apenas refletia a respeito do próprio estado de espírito.
Ela tinha consciência de que a alegria experimentada anteriormente junto a
Lewis não ocorreria novamente...
Porém seus pensamentos insistiam que uma simples
amizade era pouco para “substituir o amor perdido”.
Ela sabia que de nada adiantaria perguntar-lhe sobre como aquilo era
possível... Certamente ele responderia que não havia nada a ser explicado.
(...)
Anne sugeriu que caminhassem pela praia... Lewis sequer a olhou...
Focado no jornal, disse que não tinha vontade.
O desespero dela se concentrava no fato de ter de encontrar uma saída
para a sua existência junto a quem não dava mostras de querer partilhar
situações...
Não havia um cinema nas proximidades...
Ela sentiu falta de uma
floresta onde pudesse ao menos “caminhar até o esgotamento”.
Indisposta a sair pela estrada margeada de
jardins, abasteceu seu copo buscando embriagar-se.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/08/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir-no.html
Leia: Os
Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto