Tertuliano levantou-se bem cedo...
Não se barbeou e sequer tirou pijama e roupão... Tomou café requentado e comeu apenas duas bolachas.
Na sequência dispôs-se a assistir às fitas... Por volta das onze da manhã totalizava três filmes... Não vira os filmes do começo ao fim e pouco podia dizer a respeito dos enredos...
Os dois primeiros, que sequer têm os nomes citados no livro, não contaram com a atuação do ator secundário que era objeto da pesquisa de Tertuliano.
Diferente foi o que ocorreu com “O Paralelo do Terror”, no qual o tipo fazia o papel de “fotógrafo da polícia” que não parava de mascar chiclete e repetia a mesma frase sempre que entrava em ação: “tanto na morte como na vida tudo é questão de ângulo”.
(...)
Após as marcações na atualização da lista, o professor observou que
havia cinco nomes de atores que coincidiam com os cinco filmes em que
registrara a participação de seu “retrato vivo”... Relacionados em ordem
alfabética, os nomes eram Adriano Maia, Carlos Martinho, Daniel Santa-Clara,
Luís Augusto Ventura e Pedro Félix.
Saber que estava bem próximo de descobrir o nome, de
fato, era constatação animadora... A cidade possuía cerca de cinco milhões de
pessoas... Metade era composta de mulheres... Ele tinha menos de meia dúzia de
nomes aos quais dedicaria um pouco mais de investigação.
Deu vontade de comemorar... E é por isso que se serviu de mais um
café...
(...)
Bebia o segundo gole quando ouviu a campainha tocar.
Com muito cuidado depositou a xícara sobre a mesa da cozinha... Podia
ser que a vizinha arrumadeira quisesse conferir sua satisfação em relação à
faxina do dia anterior... Talvez fosse algum vendedor de enciclopédia (daquelas
que explicam tudo a respeito do tamboril e outros peixes estranhos)... O colega
de Matemática é que não podia ser!
A curiosidade não o impediu de arrematar o café...
Atravessou a sala e reprovou
o modo como lhe pegavam desprevenido e com as caixas de fitas enfileiradas no
chão, junto à estante. Previu a advertência ou, no mínimo, o constrangimento
que sofreria caso fosse a vizinha arrumadeira.
(...)
Era Maria da Paz quem havia
chegado, e não um daqueles que cogitara.
Ele a saudou
surpreso... Não a convidou para que entrasse imediatamente... Disfarçou o
embaraço exclamando a alegria por revê-la.
Sabia que não havia outra saída, então se colocou um pouco de lado para
lhe dar passagem... Gostaria de engatilhar uma desculpa que a mantivesse por um
tempo do lado de fora até que conseguisse esconder as fitas. Ou então que
pudesse despachá-la com a promessa de se reencontrarem no dia seguinte...
A moça foi entrando... Ela
conhecia bem o ambiente... Perguntou se estava tudo bem com o amigo... Emendou
que tinha ouvido a gravação e que concordava plenamente com ele. Quer dizer,
achava mesmo que deviam conversar... Ressaltou que esperava não ter chegado num
momento inconveniente.
Tertuliano garantiu que não... Mas que ideia! Pediu
desculpas por recebê-la daquele modo... Sequer havia feito a barba! Estava
despenteado como quem acaba de sair da cama...
Maria da Paz respondeu que não havia motivo para pedir desculpas...
Tantas vezes o vira desarranjado... Tertuliano nunca se sentira na necessidade
de desculpar-se. Ele explicou que a ocasião era diferente, já que era a
primeira vez que a recebia num roupão... Ela disse que era uma novidade e que
bem poucas existiam entre os dois.
Logo chegaram à porta da sala...
Antes mesmo que ele improvisasse uma resposta, ela quis saber se
não ganharia um beijo.
Tertuliano disse que
sim, e embora tivesse se lançado a um comportado beijo de cumprimento a moça se
colou à sua boca...
Ele não ofereceu resistência.
Por algum tempo se sugaram mutuamente.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/09/o-homem-duplicado-de-jose-saramago_16.html
Leia: O
Homem Duplicado. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto