Tertuliano pediu desculpas para o colega de Matemática.
O outro não via motivos para maiores preocupações... Disse que desculpava o colega de História e garantiu que sua insegurança se devia apenas à “tempestade em copo d’água” criada na própria cabeça.
Tertuliano agradeceu também pelo bom humor do professor, que brincou ao afirmar que “felizmente aquele tipo de naufrágio ocorria nas proximidades da praia”.
Não havia o que agradecer... Era com sinceridade que o de Matemática se manifestava.
O de História revelou que seu Senso Comum também falhara... Em vez de andar “distraído com fantasias, fantasmas e sentenças que ninguém lhe pediu”, devia aconselhá-lo com correção sobre a generosidade do colega matemático.
Do outro lado da linha o tipo deu sua opinião sobre o Senso Comum, algo tão valorizado pelas pessoas, mas “comum demais para ser realmente senso”... Podia, sim, ser considerado um “vulgar capítulo da estatística”.
Tertuliano manifestou que nunca tinha pensado naquilo, mas concordou plenamente com as palavras. Animado, o de Matemática prosseguiu em seus raciocínios ao afirmar que o Senso Comum também podia “ser um capítulo da História”... “Uma História do Senso Comum” daria um bom livro.
Espantado, Tertuliano quis saber se o colega tinha o costume de pensar ideias como aquela durante as manhãs... Ainda com bom humor, o de Matemática respondeu que dependia de estímulos e, principalmente, um bom desjejum... Tertuliano disse que então deveria telefonar-lhe noutras manhãs.
Em tom de brincadeira, o colega advertiu que o que se sucedera à “galinha dos ovos de ouro” poderia se repetir às suas “fenomenais ideias matinais”...
(...)
Despediram-se...
Confirmaram que se
encontrariam em breve no trabalho.
O de Matemática garantiu
que não daria motivos para ser interpretado como paternalista... Tertuliano
aproveitou para gracejar e disse que o colega tinha mesmo idade para ser o seu
pai.
(...)
Ao desligar o
telefone, Tertuliano sentia-se satisfeito.
Gostou
da conversa... Principalmente de ouvir que o Senso Comum não era tão
importante... Era interessante pensar que nas bibliotecas faltava o tal livro
que narraria a longa história do Senso desde a expulsão de Adão e Eva do
paraíso.
(...)
Àquela altura Maria da Paz
já devia ter se retirado para o estabelecimento bancário em que trabalhava...
Ele podia telefonar e deixar uma mensagem gravada na secretária eletrônica.
Diria algo simpático. Resolveu que faria isso alguns minutos depois, pois
precisava de algum tempo para “clarear as ideias”.
Maria
sempre deixava a casa pela manhã acompanhada de sua mãe, que se encaminhava
para a igreja e depois para as compras. Frequentar assiduamente a igreja se
tornara um hábito da mãe de Maria desde que se tornara viúva. Em sua dedicação
exclusiva ao Senhor, contava com a certeza de não mais enviuvar.
Certamente
Tertuliano não pensava sobre isso enquanto esperava o momento certo para
telefonar. Depois de meia hora ainda não tinha certeza do que dizer ao
telefone... Podia proferir algo simples e de modo natural, mas problematizou o
fato de a mensagem não soar simpática ou espontânea.
Essa
dúvida gerou outras... Então decidiu que o melhor que tinha a fazer era redigir
a mensagem e ler no momento em que a secretária eletrônica disparasse a
gravação.
Em
síntese, o texto que produziu versava sobre as tentativas de Maria em falar-lhe
ao telefone e os recados que ela havia deixado... Tertuliano sugeria que deviam
agir com calma para acertar nas decisões que fossem adequadas para ambos...
Filosofou ao afirmar que “a única coisa que dura toda a vida é a vida”... Tudo
o mais é “precário, fugidio”. Garantiu que havia aprendido essa verdade e que,
como eram amigos, deviam permanecer amigos independentemente do que viesse a
ocorrer... Precisavam conversar sem apressamentos e tudo se resolveria.
Posicionou-se e leu
pausadamente o texto...
No final acrescentou “um beijo”.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/09/o-homem-duplicado-de-jose-saramago_9.html
Leia: O
Homem Duplicado. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto