domingo, 18 de setembro de 2016

“O Homem Duplicado”, de José Saramago – depois do café, a cama; avaliações a respeito do encontro

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/09/o-homem-duplicado-de-jose-saramago_18.html antes de ler esta postagem:

Tertuliano entendia que a visita de Maria da Paz estava resultando em perturbadora... Primeiro de tudo porque ela o impediu de prosseguir com a verificação das fitas... Depois se enrolou todo ao justificar o trabalho de pesquisa sobre os “sinais ideológicos”... E ainda se complicou ao vê-la conduzir a conversa.
(...)
A mulher saiu com aquela frase sobre a “existência de uma ordem no caos” e quase o colocou a nocaute!
Não podemos esquecer que ele ainda conservava o propósito de colocar fim à relação... Mas estava ficando difícil... Notou que estava tomado por um confuso sentimento de admiração e ternura.
O café estava demorando a sair... O rapaz perdia-se nesses pensamentos e avaliava que não poderia permitir que Maria ficasse sozinha na sala... Esperta como se fazia notar, é bem provável que se decidisse a colocar uma das fitas no aparelho para conferir o que o amado chamava de “sinais ideológicos”.
Podemos imaginar o cenário... Maria da Paz reconheceria no ator secundário (interpretando um funcionário de hotel ou porteiro da boate etc.), gritaria em desespero e chamaria o dono da casa para ver o ator igualzinho a ele... Então chamaria o fenômeno de qualquer coisa (Saramago sugere “bom samaritano, providência divina, irmão de caridade”) menos de “sinal ideológico”.
(...)
Esses temores de Tertuliano foram afastados tão logo Maria se aproximou com a bandeja com as xícaras, o açucareiro e algumas bolachas.
Os dois tomaram o café em silêncio e tranquilidade... O rapaz não podia esperar maior harmonia.
E tudo pareceu encaminhar-se para o bom termo quando, depois do café, ela resolveu que arrumaria o “caos da cozinha”... Disse que o deixaria em paz para realizar o estudo.
Foi com certo alívio que Tertuliano respondeu que não precisavam falar mais sobre o tal estudo... Mas ele sabia que o seu outro problema (a relação com Maria) estava bem mais difícil de ser resolvido.
O rapaz retirou-se para o banheiro, onde se barbeou e vestiu-se decentemente... Na sequência seguiu para a cozinha a tempo de participar da arrumação secando a louça que era lavada pela Maria.
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Maria ergueu bem os braços para ajeitar uma travessa...
Tertuliano não resistiu à tentação e a agarrou pela cintura... No movimento deixou escapar um a das xícaras que virou cacos no chão.
O moço agarrava-se tão violentamente a ela que seria difícil concluir se o afeto por ela teria sido maior no começo do relacionamento...
Também poderíamos imaginar a empolgação como típica dos estertores de certas paixões... Saramago cita o “fenômeno da vela que se extingue e levanta luz mais alta e insuportavelmente brilhante”...
Insuportável não por arder os olhos, mas por ser a derradeira luz.
(...)
O casal retirou-se para a cama.
Saramago brinca com a situação... “Um sobre o outro, literalmente enganchados de pernas e braços, nos levaria a tirar respeitosamente o chapéu e a desejar que lhes seja assim para sempre”.
(...)
Quem poderia saber até quando a “vela arderia”?
Tertuliano pensava mais uma vez a respeito de sua condição e nas contradições da existência... Aquilo tudo acabava de uma forma que não esperava... Nesse sentido, teria perdido a batalha porque seu intento era o de colocar um termo à relação com a moça com a qual acabara de se enroscar como se louco estivesse.
Mas eventualmente temos de reconhecer derrotas para alcançarmos a vitória num momento mais propício... Além disso, ao calcular a necessidade de “desviar dos vídeos e do imaginário estudo sobre os sinais ideológicos a atenção de Maria da Paz”, só podia pensar que se saiu vencedor numa parte considerável da batalha.
(...)
Maria também refletia...
Ela também não esperava tal desfecho... Ao chegar ao apartamento tinha certeza de que no final lhe restariam apenas lágrimas e decepção...
Talvez ela começasse a aprender que boa parte dos entreveros de casais termine mesmo na cama... Pelo menos não falta quem pense assim, como se o sexo fosse “a panaceia de todos os males físicos e morais”.
Leia: O Homem Duplicado. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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