O professor não se incomodou com a constatação anunciada pelo diretor (sobre os risos dos colegas a cada vez que ele principiava a falar sobre suas ideias a respeito da mudança que importava realizar no ensino de História) e disse que os colegas tinham o riso fácil e, por isso, eram pessoas de sorte.
Depois quis saber se também o chefe não o levava a sério... O homem respondeu que não era do tipo que vive de fazer brincadeiras. Acrescentou que o levava muito a sério, pois o considerava um dos melhores professores da escola. Emendou que os alunos poderiam testemunhá-lo.
Tertuliano quis saber por que o mandara chamar... O diretor explicou que não queria mais ouvir a expressão “única decisão séria”... O professor respondeu que, então, preferiria permanecer calado durante as reuniões.
O diretor lamentou... Garantiu que apreciava as ideias de Tertuliano. Este agradeceu e sugeriu que o melhor que tinha a fazer era dizer aquilo aos colegas ou ao ministério... E completou dizendo que não havia por que desconfiar ou alimentar reservas quanto ao embasamento teórico de tudo o que dizia, pois pessoas muito mais competentes do que ele sustentavam a mesma tese.
(...)
O professor de História explicou que, para os
professores, era muito melhor não pensar sobre as mudanças que defendia...
Notadamente os de sua área preferiam continuar falando do passado e “de tudo o
que já está escrito”... Preferiam o mais fácil, ou seja, “papaguear, conferir
pelos livros o que os alunos escrevam nos exercícios ou digam nas chamadas
orais”.
Na sequência, Tertuliano tratou de mostrar o que havia de tão
dificultoso em sua proposta. Explicou que "falar do presente que a cada
minuto nos rebenta na cara” exigiria muito trabalho e “constância na
aplicação”... E tudo para “entender cada vez melhor a cadeia de acontecimentos
que nos trouxe aonde estamos agora”.
(...)
As palavras de Tertuliano foram marcadas por
empolgação... O diretor disse que considerava aquilo digno de admiração e que,
até mesmo o ministro, seria convencido pela eloquência que acabara de
presenciar.
Não dá para garantir que o professor tenha se sentido lisonjeado com as
palavras do chefe... Respondeu que não acreditava na possibilidade, pois sabia
que os ministros são colocados em seus cargos exatamente para convencer a todos
os que estão a eles subordinados.
O diretor parecia convicto do que dizia... Ressaltou que daquele momento
em diante passaria a defender as maravilhosas ideias de seu professor...
Tertuliano agradeceu, mas ressaltou que não havia como se iludir em relação ao
ministério... Certamente tudo continuaria como sempre no ensino da História.
O diretor se colocava como quem acaba de “conhecer a luz” e garantiu que
deviam insistir... Não havia o que temer, pois já se dissera que “todas as grandes
verdades são absolutamente triviais”... Era uma questão de não permitir que a
proposta caísse no esquecimento.
(...)
Tertuliano quis saber de onde o diretor tirava aqueles princípios... De
certo Schlegel, um alemão... Mas o chefe garantiu que muitos pensadores até
mais antigos partilhavam deles.
Para Tertuliano, contava a
declaração sobre as grandes verdades não passarem de trivialidades... A ideia
sobre “oferecer resistência” ao sufocamento das mesmas não o atraía...
Sobretudo porque reconhecia o seu singelo lugar de “professor de História do
ensino secundário”.
(...)
O diretor quis animá-lo...
Manifestou sua intensão de voltar a conversar com ele... Tertuliano deu como
desculpa a falta de tempo para tanto o que podiam dizer um ao outro...
Acrescentou que os colegas tinham coisas bem mais interessantes do que ele para
tratar com o chefe... E ainda foi sarcástico ao dizer que podiam trocar ideias
sobre “como se responde com um sorriso fácil a palavras sérias”...
Tertuliano lembrou
que o excesso de conversas circunscritas ao pessoal da equipe docente podia
prejudicar o alunado... Não tendo com quem falar, os estudantes ficariam futuramente
sem ter o que dizer...
A conversa foi encerrada...
E foi Tertuliano que
sentenciou que o trabalho os esperava...
O diretor observou que o almoço também os aguardava.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/09/o-homem-duplicado-de-jose-saramago_10.html
Leia: O
Homem Duplicado. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto