sábado, 1 de outubro de 2016

“O Homem Duplicado”, de José Saramago – dona Carolina problematizou a ideia de que “no final tudo se resolve”; providenciando minuciosa limpeza do ambiente; encaminhando a carta ao “marco postal” sem permitir que a fortuna resolvesse outro destino ao envelope

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/09/o-homem-duplicado-de-jose-saramago_30.html antes de ler esta postagem:

A conversa com a mãe não resultou em positiva para Tertuliano.
Depois de desligar o aparelho ele ficou a pensar em tudo o que tinham falado... Considerou um erro ter dito que tinha “assuntos sérios” para resolver e que durante as férias sua estadia ao lado da mãe seria mais curta.
Ele dissera que no mundo “tudo se resolve”... A resposta para essa sentença o deixou agitado... Como se vaticinasse tormentos futuros, dona Carolina respondera que “às vezes para pior”... Ela se referia à ideia de deixarmos tudo por conta da “sorte do destino”, como o filho parecia sugerir.
O rapaz pensou mesmo em viajar imediatamente para a cidade onde a mãe residia... Cinco horas de carro e estaria frente a frente com ela... Abriria o jogo e ouviria os seus conselhos... Depois regressaria para a sua vida de professor de História na escola de ensino secundário... Talvez devesse levar em consideração a ideia de se ajeitar no matrimônio com a da Paz...
(...)
Em vez de considerar um pouco mais a respeito encontrar-se com a mãe, Tertuliano guardou a carta num dos bolsos do casaco e saiu para almoçar...
Apesar de ter andado com o envelope o tempo todo, não o depositou em nenhuma caixa dos correios.
Retornou para casa e deixou o que restava de domingo passar sem maiores problematizações.
(...)
Pela manhã, organizou as fitas que iria devolver à locadora em dois pacotes... As consideradas úteis foram organizadas num armário. Os papéis que continham as anotações dos nomes dos artistas e os vários rabiscos que o ajudaram a chegar ao nome de Daniel Santa-Clara foram rasgados... Os vários rascunhos de cartas à produtora tiveram o mesmo fim.
O comportamento de Tertuliano parecia prever uma futura perícia no local... Com um pano úmido, limpou suas impressões digitais dos móveis do escritório... Procurou também as de Maria da Paz e fez o mesmo.
(...)
Até onde se sabe, ectoplasma não transpira!
Pelo visto queria apagar os vestígios “da presença que o arrancara violentamente ao sono na primeira noite”. Nada o faria deixar de proceder daquele modo... Agia como que se a imagem cinematográfica do funcionário de hotel (do “Quem Porfia Mata Caça”) tivesse passado para a sua transpiração.
(...)
Só depois da arrumação é que decidiu sair de casa com os pacotes... No caminho encontrou a vizinha arrumadeira que lhe ofereceu ajuda... Ele agradeceu e disse que não era necessário... Quis saber como ela tinha passado o fim-de-semana... Essas palavras que se trocam por urbanidade e cujas respostas são automáticas...
A dona perguntou sobre o trabalho na máquina de escrever... Obviamente o sabia devido ao barulho que o professor provocou durante a elaboração da carta... Tertuliano lamentou o incômodo que havia provocado e garantiu que em breve adquiriria um silencioso computador...
A vizinha disse que não havia nenhum incômodo, e até achava que o som da máquina de datilografar fazia-lhe companhia. O dia era de limpeza e ela quis saber se ele regressaria para o almoço... Tertuliano explicou que almoçaria na escola e só retornaria mais tarde.
(...)
Os pacotes tornaram seus passos desajeitados... Tertuliano ficou pensando que não tinha como esconder que estava atrapalhado, e que a vizinha notara isso.
Os pacotes foram guardados na mala do carro... Precisou atravessar a rua para depositar a carta na caixa do correio. Ainda na calçada, retirou-a do bolso... De repente foi tocado por um garoto que corria desatento...
A carta foi ao chão. O menino parou mais adiante e pediu desculpa, porém voltou à sua correria sem apanhar a carta para entregá-la ao distinto homem.
Com um gesto o professor desculpou o garoto... Abaixou-se para pegar o envelope e ficou imaginando o que poderia acontecer com a carta se não a tivesse recolhido... Alguém a pegaria e, ao notar que estava pronta para ser encaminhada ao correio, a depositaria no “marco postal”?
Podia ocorrer de acharem o envelope perdido e o abrirem. Leriam o conteúdo e o desprezariam em qualquer lixeira. Também podia acontecer de o envelope nem ser notado... Nesse caso seria pisoteado à exaustão até que o varredor a tirasse do caminho.
Essas possibilidades não se tornaram realidade porque o autor da carta desistiu de pensar sobre elas... Com passos decididos, encaminhou-se ao “marco postal”, onde a depositou.
Leia: O Homem Duplicado. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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