Na sexta-feira chegou o envelope do Antônio Claro... Havia um croqui desenhado por ele mesmo, um pequeno mapa com as indicações para se chegar ao local do encontro. Um bilhete definia o horário: seis da tarde.
Tertuliano analisou a letra do outro... Não era exatamente igual à sua... Principalmente nas maiúsculas podiam ser notadas algumas diferenças.
O mapa era simples. Ao analisá-lo, entendeu que pegaria uma rodovia específica na saída da cidade... A certa altura passaria por uma povoação e depois de mais oito quilômetros por outra... Cada uma estaria num lado diferente da estrada. O desenho dava a entender que depois da segunda povoação devia sair da estrada principal e rumar em direção a outro povoado bem menor que os anteriores. Para se chegar ao local assinalado como “casa” devia dirigir mais adiante por uma estradinha acanhada. Tudo muito simples, não havia como errar...
O professor pegou um mapa dos que são impressos pelas editoras de guias para os motoristas e conferiu as informações de Antônio Claro... Tudo batia... Depois ficou a pensar que não precisaria levar o grande espelho. Imaginara que se encontrassem ao ar livre, talvez nas proximidades de uma grande árvore... Na casa certamente haveria espelhos.
Também era certo que Antônio Claro apareceria sozinho... Quer dizer, não fazia sentido levar a esposa para servir de árbitro nas comparações dos detalhes que cada um trazia no corpo... O fato de o tipo afirmar que compareceria armado eliminava a hipótese de uma acompanhante.
(...)
A conclusão era óbvia! Tertuliano chegou a pronunciar
que ele também não levaria Maria da Paz...
Essa atitude beirou o
ridículo! Sua relação com Maria da Paz não podia ser comparada à do casal! Bem
que a Maria gostaria de ter um envolvimento mais sério com ele, mas este não
era o seu caso.
(...)
Tertuliano guardou o mapa e o croqui desenhado pelo Antônio Claro...
Depois tentou copiar a frase registrada no bilhete... Esforçou-se para imitar
as maiúsculas. E tanto exercitou que ao final de uma folha não se poderia
descobrir qualquer diferença entre as caligrafias.
O rapaz não tinha nada em mente ao se empenhar na imitação da letra do
outro... Todavia nunca se sabe se haveremos de tirar proveito futuro de certas
habilidades que adquirimos sem alimentarmos maiores expectativas.
O futuro é incerto para todos... Não se pode dizer “dessa água não
beberei”... Saramago reforça a ideia afirmando que podem ocorrer ocasiões em
que nos restará apenas a água que desprezávamos. Mas não eram essas coisas que
passavam pela cabeça de Tertuliano.
(...)
Ele voltou a pegar o mapa e o croqui. Decidiu que devia conhecer
previamente o sítio... Dirigiria até o ponto de encontro... Pelo menos não
correria o risco de se perder no domingo.
Tertuliano era daqueles que
podemos considerar “menos sociáveis”, ensimesmados e melancólicos...
Aparentemente a ideia fez
muito bem para ele... Seu semblante mudou... O fato de livrar-se por algum
tempo da redação de proposta pedagógica sugerida pelo diretor também lhe trouxe
alívio.
(...)
As vias que dão
acesso às estradas são sempre concorridas nas segundas metades das
sextas-feiras... Incontáveis veículos conduzidos por motoristas apressados
trafegam nas direções dos ambientes mais sossegados.
Tertuliano logo deixou para trás o
congestionamento mais pesado... Seu objetivo era chegar ao local onde devia
estar a casa evidenciada no croqui desenhado por Antônio Claro, fazer um
reconhecimento do entorno e retornar. Só isso.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/10/o-homem-duplicado-de-jose-saramago_29.html
Leia: O
Homem Duplicado. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto