Como se vê, Helena revelou toda sua preocupação ao marido... Ela estava bem assustada com a história.
Antônio procurou mostrar-lhe que tudo se resolveria... O tempo passaria e os fatos seriam assimilados por eles sem maiores traumas.
A mulher admitiu que o seu estado de pânico podia ser explicado por um pressentimento que ela não sabia bem o que era. Ela tremia ao mesmo tempo em que Antônio perguntava se seu pressentimento era algo bom ou mau.
Ele a abraçou... Ela encolheu-se, fechou os olhos e deitou-se no sofá. Antônio quis diverti-la ao dizer que quando se tornasse um ator de “primeira linha” poderia chamar o Tertuliano para fazer as cenas mais desagradáveis e perigosas... Ninguém perceberia!
Helena implicou também com o gracejo do marido... Disse que os dublês de cinema entram em ação ao serem chamados... Aquele tipo havia se intrometido “do nada” em suas vidas.
Antônio sugeriu que ela procurasse algo agradável para passar o tempo... Helena insistiu que não tinha interesse de ler ou assistir à televisão... Preferiu retirar-se ao quarto para dormir.
(...)
Uma hora depois ele também se deitou... Apagou a luz... Tinha certeza de
que os olhos fechados da esposa não significavam que ela estivesse dormindo...
Ao seu lado ele também não dormiu, pois ficou a remoer os temas que havia
conversado com Tertuliano... Pensou nas frases do outro e nos sentidos que elas
podiam esconder.
Para a sua infelicidade, muitos pontos ressurgiram do prolongado diálogo...
Os iguais morreriam no mesmo instante? O espelho nos revela uma imagem virtual
ou aquele que nos olha a partir do espelho é real? E o que pensar sobre os
temores de Helena?
A noite avançou... Antônio Claro não conseguia dormir... Concluiu que a
situação devia ser resolvida o quanto antes. Teria de falar pessoalmente com
Tertuliano... Não teria como escapar dessa desagradável situação.
Depois dessa conclusão, dormiu.
Também Helena dormiu... Enfim a sensação que a dominou
foi a de que nenhum fantasma se instalara entre ela e o esposo...
(...)
Ela pôde descansar por duas
horas...
Despertou. O quarto estava
na penumbra... Ouviu a respiração do marido...
Percebeu que suas
preocupações não a haviam deixado completamente. Apurou os ouvidos e sentiu que
podia ouvir outra respiração no apartamento.
Não conseguiu definir
a origem... A respiração podia vir de qualquer cômodo... Podia vir de algum
ponto atrás da porta... Alguém havia entrado na casa? Estaria ali no mesmo
quarto?
Estava prestes a acordar o marido... A sensação a deixara apavorada...
Porém no último momento enfrentou o medo e concluiu que aquilo só podia ser o
reflexo de um sonho como esses que às vezes temos... Só podia ser isso.
Quantas vezes as pessoas
associam esses eventos a premonições ou “avisos do além”? Helena entendeu que aquilo
só podia ser uma fantasia que estava perturbando a sua cabeça... Não era
possível que alguém idêntico ao marido lhe apareceria fazendo com ela tudo o
que ele lhe fazia e da mesma maneira.
Fantasia... Apenas isso. Uma “louca fantasia”.
Certamente o dia seguinte seria de absoluta normalidade... O relógio
despertaria e o dia fluiria... Todos sabem que duas pessoas não podem ser “exatamente
iguais” uma à outra.
Helena tinha de pensar dessa forma... Sua saída para
fugir do desespero foi agarra-se às obviedades...
Todavia sabemos que não era
bem esse o caso.
(...)
Helena acordou antes do despertar do relógio. Travou-o para que o marido
continuasse a dormir sossegadamente.
Aproveitou a quietude para ordenar as ideias... Precisava convencer-se
de que as assombrações da noite mal dormida haviam se afastado definitivamente.
A razão devia prevalecer.
Achou absurdo que as aberrações típicas de pesadelos a tivessem
incomodado tanto... E quanta aberração! Imaginar um estranho nu e fisicamente
idêntico àquele que dormia ao seu lado!
Mas não havia motivos para
se censurar porque aquele delírio todo tinha a ver com algo que extrapolara a
razão...
O dia amanhecia e ela era “senhora
de si”...
As alucinações da noite haviam ficado para trás.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/10/o-homem-duplicado-de-jose-saramago_22.html
Leia: O
Homem Duplicado. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto