terça-feira, 15 de novembro de 2016

“O Homem Duplicado”, de José Saramago – Antônio Claro tomou todas as precauções e colocou o plano em prática; no encalço de Maria

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/11/o-homem-duplicado-de-jose-saramago-os.html antes de ler esta postagem:

Nem mesmo Antônio teria condições de nos dizer como chegara à ideia de que as ofensas do Tertuliano (ser o seu “igual” e ter enviado a caixa com a barba postiça) só podiam ser retaliadas se partisse para cima da pobre Maria da Paz...
Estava tão convencido de sua decisão que optou por chegar bem cedo ao endereço da Maria e esperar pela sua saída... Depois a seguiria até o local de trabalho. Bem poderia ocorrer de posicionar o carro num local desfavorável em relação à direção que a moça visse a tomar... Nesse caso voltaria à carga nos próximos dias até que seu plano resultasse em satisfatório.
Evidentemente teria de alterar sua rotina... Vivia um período de estudo de texto e ao que tudo indicava as filmagens de “Julgamento do Ladrão Simpático”, no qual faria papel de advogado, não se iniciariam imediatamente... Como se sabe, o tipo deixava-se ficar por mais tempo na cama depois que Helena se retirava para o trabalho... Teria de inventar algo para justificar a necessidade de madrugar... Quem poderia dizer por quantos dias teria de fazer isso?
Antônio entendeu que não valia a pena desgastar-se mentalmente pensando sobre o que faria se não obtivesse êxito “na caçada à Maria” logo no primeiro dia... Resolveu dizer à Helena que teria uma reunião logo de manhã com os produtores do filme.
Helena estranhou que o compromisso de Antônio fosse tão cedo... Ele deu uma desculpa sobre o horário de voo do realizador, daí a pressa. A mulher fechou-se na cozinha para resolver o que comeriam no jantar... O ator aproveitou para esconder a barba postiça num canto do sofá pouco utilizado pelo casal.
(...)
Antônio Claro estacionou seu veículo do outro lado da rua onde esperava que a da Paz saísse para o trabalho... Havia poucas pessoas perambulando nas calçadas... A maioria dos estabelecimentos estava fechada, alguns apresentavam comunicados sobre as férias dos funcionários.
Muitos homens se retiravam dos prédios para iniciarem o dia de trabalho... Poucas mulheres... Para Antônio, nenhuma delas era a Maria que construíra em seu raciocínio baseado nas “figuras femininas dos filmes em que participou”.
Às oito e meia duas mulheres saíram do prédio... Antônio não teve dúvida de que a mais nova era a Maria da Paz, e que a senhora só podia ser a mãe dela... Concluiu rapidamente que aquela era a mulher que havia atendido ao seu telefonema... Ela devia estar adoentada e certamente as duas não dividiam o apartamento com mais ninguém.
O tipo avaliou Maria dos pés à cabeça, considerou-a bonita e de físico privilegiado... Sentenciou que o professor Tertuliano tinha bom gosto. Imediatamente acionou o motor do carro, mas notou que as duas prosseguiram caminhando. Calculou que se as seguisse a pé corria o risco de perdê-las assim que elas chegassem ao veículo da garota.
Mas não teve outro jeito... Retirou-se do carro e passou a persegui-las. Colocou-se a uns trinta metros das duas... A mãe de Maria andava muito devagar e isso o irritava.
O tipo tinha a impressão de que andara longo percurso, mas a verdade é que não tinha percorrido mais do que trezentos metros... Eventualmente tinha de disfarçar e parar para contemplar uma vitrine ou prédio... A barba postiça o incomodava e ele não via o momento de a perseguição terminar.
Maria e a mãe dobraram a esquina e chegaram às escadas de uma igreja, onde se despediram... A jovem voltou pelo mesmo caminho... Antônio observou que, sozinha, ela tinha elegantes passos.
Ele atravessou a rua e postou-se de frente a uma vitrine... Pelo vidro pôde ver o momento em que Maria passou na outra calçada. Sem perder tempo, virou-se para acompanhar o trajeto que ela fazia.
Para a sua surpresa, Maria colocou-se na fila dos que esperam pelo ônibus... Ele fez o mesmo, todavia permitiu que três usuários ficassem à sua frente... Não se sentia totalmente disfarçado... Evidentemente a barba não escondia olhos, orelhas, cabelo...
Também sua alma não podia ser camuflada... Mas, como diz Saramago, “sobre esse ponto faremos silêncio”.
O ônibus chegou e Maria se acomodou num dos bancos... Antônio permaneceu em pé e escondido entre os demais passageiros.
Leia: O Homem Duplicado. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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