segunda-feira, 28 de novembro de 2016

“O Homem Duplicado”, de José Saramago – desespero e pranto; hospedando-se como Antônio Claro; o que será do futuro?; há uma mãe aterrorizada pela fatalidade que não vitimou seu verdadeiro filho

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/11/o-homem-duplicado-de-jose-saramago_27.html antes de ler esta postagem:

Só podemos entender que Tertuliano queria muito bem à Maria da Paz... Seu drama aumentava na medida em que a sua consciência o incriminava... Fora covarde, não retribuíra à da Paz o amor que ela merecia, além disso, o seu egocentrismo a levara à morte.
Tipos que passavam pela calçada viam que o homem no carro estacionado estava muito amargurado... Um deles chegou a parar e oferecer-lhe ajuda. Ele dispensou, agradeceu e voltou a se desmanchar em lágrimas.
O pranto durou até que elas se esgotassem por completo... O que havia mais a se fazer? Todo o seu desgosto passaria em algum momento... A dor se dissiparia. Ademais, naquele momento mesmo entendeu que estava transformado em Antônio Claro para sempre... O que faria a partir de então? Para onde iria? Não sabia ao certo, mas colocou o carro em movimento.
Pensou que não teria como ir à própria casa, pois àquela altura todos já o tinham como morto... Tampouco teria como dizer à Helena que seu marido havia falecida porque ela o tinha pelo verdadeiro Antônio Claro... De nada valeria aparecer na casa de Maria da Paz... Ele jamais fora convidado para ali comparecer, além disso, só traria mais confusão.
(...)
Vemos o professor preocupado em acomodar-se num quarto de hotel onde pudesse chorar à vontade e também colocar as ideias em ordem... Sim, precisava de um quarto... A noite anterior havia passado com Helena porque a situação era a da desforra... Deitara-se com a mulher do outro porque ele roubara-lhe a Maria.
Todos nós entendemos de onde vem a lógica de sua desforra... Tertuliano conhecia bem a “lei de talião” que inspirara o Código de Hamurabi... O enredo da noite anterior havia sido o do “olho por olho, dente por dente”. Os tipos eram idênticos, seus delitos também.
Tertuliano possuía muitos defeitos... Mas não admitiu a possibilidade de retornar à casa do Antônio Claro para dormir novamente com a esposa deste... Seria demais! O ator acabara de morrer!
(...)
Tertuliano dirigiu até o centro da cidade, onde há mais opções de hospedagem... Não tinha como saber sobre o dia seguinte e os próximos... Era professor e sabia que as escolas necessitam de docentes que ministram aulas de História, mas obviamente não teria como retornar ao antigo trabalho...
E o caso do Antônio Claro? Oficialmente estava vivo... Tertuliano era o seu “igual” e possuía seus documentos de identificação... Mas era certo que em breve o mundo do cinema saberia que o ator renunciara a promissora carreira.
Quando a recepcionista do hotel pediu que se identificasse, o tipo teve cuidado para não dar o nome que possuía a trinta e oito anos (oficialmente, naquele momento, Tertuliano estava numa gaveta do necrotério).
A funcionária do estabelecimento não teve nenhuma dúvida quando consultou o documento de identificação do recém-chegado... Depois da assinatura, Tertuliano achou por bem justificar o motivo de não trazer bagagens: havia perdido o voo, suas malas ficaram no aeroporto, e era por isso que se instalava apenas para o pernoite.
Mas era evidente que a moça não estava interessada nos transtornos que levaram o tipo até o estabelecimento... Além disso, sua ocupação não lhe permitia perder tempo com situações que não eram da alçada do hotel.
(...)
Tertuliano subiu ao quarto que alugara e dirigiu-se ao banheiro para descarregar a bexiga.
Pretendia descansar a mente... Deitou-se, mas logo imaginou o veículo que tão bem conhecia totalmente despedaçado, em seu interior os dois corpos desfigurados e ensanguentados.
Isso o fez chorar novamente... Na solidão do quarto soluçou como se criança fosse.
Talvez por isso tenha se recordado de repente de dona Carolina... Evidentemente sua mãe já devia estar sabendo da fatalidade... Puniu-se por não ter pensado nisso antes... Logicamente a polícia devia ter chegado ao seu prédio e entrevistado os vizinhos... Os tiras procurariam por parentes... Chegariam à vizinha do andar de cima e graças a ela contatariam dona Carolina.
(...)
O trágico fim do filho e da jovem que parecia ser a companheira perfeita traria muito sofrimento à senhora.
Tertuliano, o verdadeiro, o que está transmudado em Antônio Claro, é quem pode trazer luz ao sofrimento da mãe.
É por isso que o vemos a telefonar para a casa dela...
Mas ninguém atende a chamada.
Leia: O Homem Duplicado. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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