O fato é que Antônio Claro não conseguia definir bem se considerava Tertuliano um inimigo... Como pensar isso de um tipo que sequer conhecia? De quem nunca lhe fizer mal?
Helena não pensava dessa forma... Só o fato de o outro existir já representava uma situação insustentável. Ela disse isso ao marido.
Antônio explicou que o outro existia da mesma forma que ele... E se para eles isso era um problema, para o professor também o devia ser na mesma medida.
Para Helena pesava o fato de o tipo ter tomado a iniciativa de procurá-los... Antônio quis acalmá-la dizendo que, no lugar de Tertuliano, teria feito o mesmo.
A mulher não se conformava... Argumentou que as coisas teriam sido diferentes porque ela o teria aconselhado a não se envolver com um estranho...
(...)
Helena chorou copiosamente e seguiu para o quarto,
onde se trancou.
Antônio guardou a barba enviada por Tertuliano junto ao bigode com o
qual interpretara o funcionário de hotel em “Quem Porfia Mata Caça”.
(...)
Tertuliano seguiu para a casa da mãe... Conforme dirigiu seu veículo
pela estrada pensou sobre se falaria ou não a respeito dos episódios com
Antônio Claro...
No começo da viagem parecia firme no propósito de revelar tudo à mãe...
Conforme o carro rodou, sua certeza se esvaiu... Ao chegar à casa da mãe não
sabia ao certo o que faria.
À noite, já em seu antigo quarto de adolescente, enquanto se preparava
para deitar, concluiu que o melhor teria sido não deixar a cidade... Sentia-se
mais seguro no próprio apartamento.
A sensação de insegurança o
dominou porque dona Carolina não lhe fazia perguntas... Em vez disso,
dirigia-lhe olhares que pareciam esperar por suas manifestações...
O desconforto de Tertuliano
aumentou na medida em que passou a ter a impressão de que só poderia retornar
depois de revelar sua história à mãe.
Enquanto aguardava o
sono, refletiu sobre a situação... Evidentemente dona Carolina não era como a
da Paz, que topava aguardar quanto tempo ele achasse necessário para dar-lhe
explicações... A mãe o pressionaria silenciosamente e ele sentia que teria de
contar-lhe algo.
Trouxe livros... Aquele sobre as civilizações mesopotâmicas não foi
selecionado para a viagem... Mas não estava em condições de se concentrar em
qualquer leitura, então apagou a luz.
Depois de algum tempo a
porta do quarto, que não estava trancada, se abriu... Era Tomarctus, o cachorro
de estimação de dona Carolina e “batizado pelo próprio Tertuliano”.
O cão ficou por um breve cochilo e se retirou para “vigiar
a casa”. Pela manhã a porta devidamente trancada era indicadora do zelo mãe.
Acostumada a se levantar cedo, contava com a companhia de Tomarctus e não
pretendia que este incomodasse o descanso do filho.
(...)
Pelo menos em relação à primeira noite, não há comparação entre o sono
do professor na casa da mãe e a agitação que perturbava Antônio Claro... Helena
dormiu, mas a custa de tranquilizantes... O ator despertou várias vezes porque
não conseguiu deixar de sonhar com o encontro que tivera na casa de campo.
As noites seguintes também foram de pesadelo para
Antônio Claro... Numa das madrugadas viu-se refletindo sobre a fala de
Tertuliano a respeito de uma carta que enviara à produtora para, desse modo, chegar
até ele.
A grande questão era sobre o que teria motivado a empresa a fornecer
tantos dados ao autor da carta... Antônio sabia bem que semanalmente muitas
cartas de fãs chegavam ao escritório... Mas o máximo que faziam nesses casos era
enviar uma fotografia com uma dedicatória já impressa sobre o papel.
Era impressionante! Uma carta simples! O mais provável é que lhe dessem
o mesmo destino de todas as outras: o “esfarrapador de papéis”.
Mas também podia ocorrer de
a terem arquivado... O ator pensou e concluiu que não seria tão absurdo
guardarem cartas como aquela... Talvez a empresa se interessasse pelas demandas
do público de seus filmes... Talvez houvesse um registro, uma catalogação...
Mas a carta serviria para algo? Por que essas
indagações chegaram às reflexões de Antônio Claro? Descobri-la contribuiria
para encontrar uma solução para os problemas que ele e Helena vinham sofrendo?
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/11/o-homem-duplicado-de-jose-saramago_11.html
Leia: O
Homem Duplicado. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto