sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

“Os Mandarins”, de Simone de Beauvoir – uma conversa franca sobre o relacionamento; Henri ajuda Nadine a analisar sua experiência conjugal; o “refúgio no passado” formata posturas arrogantes e de desconfiança

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/12/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir_27.html antes de ler esta postagem:

Nadine possuía uma grande angústia... Mas ela não queria partilhar com ninguém, principalmente com Henri.
Acontece que chegaram a um ponto em que não havia mais como fugir do tema. Ele sugeriu a ela que se abrisse... Ela sustentou que não podia porque se tratava de algo simplesmente horrível.
Obviamente Henri tinha ideia do que se tratava e demonstrou que não se surpreenderia com o que quer que fosse. Aos poucos Nadine se sentiu segura e falou. Mas foi Henri quem se antecipou a dizer que o que a atormentava se referia à sua gravidez, propositada para “forçar a união”.
(...)
E era isso mesmo. Esse tipo de diálogo chega a causar espanto na atualidade... Mas aqueles eram tempos em que as sociedades (por mais “liberalizadas” que fossem) recebiam com espanto as notícias sobre gravidezes antes do casamento. Famílias tradicionais exigiam o imediato casamento, ou davam um jeito de “esconder” a filha (enviando-a para um convento, por exemplo).
(...)
Nadine exclamou que se ele sabia desde o princípio devia considerá-la repugnante. Henri respondeu que jamais se casaria com ela se não a amasse de verdade, e explicou que também ela não o aceitaria se não fosse assim. Então aconteceu que o que engendrara lembrava um “jogo” do qual só ela participara.
No fundo os dois sabiam que ela não seria capaz de forçá-lo à união... Por outro lado a situação devia diverti-la, pois dava a entender que pressionara Henri a uma decisão que o tirava de seu confortável modo de ser.
Nadine percebeu que ele chegara a uma conclusão adequada. Disse-lhe que de qualquer modo sua atitude havia sido horrível... Henri não concordou e disse que havia sido “inútil”, já que considerava que mais cedo ou mais tarde se casariam e certamente teriam filhos.
Essa afirmação a espantou. No mesmo momento quis que ele confirmasse... Henri reafirmou e isso devia levá-la a entender que jamais se uniriam se isso lhe fosse desagradável.
Mas não era só isso. Ele quis que ela entendesse também que seria desagradável se não a amasse... Nadine insistiu que podemos vir a gostar da companhia de alguém sem amá-lo verdadeiramente.
Também a isso Henri teve de redarguir... Disse que com ele não era dessa forma... Depois emendou que tudo era uma questão de admitir que ele a amava verdadeiramente. Levou em consideração que ela era mesmo desconfiada, mas sustentou que quando se envolveu com Diego não problematizava tanto.
(...)
Nadine respondeu que a situação era bem diferente... É que se sentia “dona” do rapaz. Diego lhe pertencia... Henri não objetou, mas salientou que esse era também o seu caso... Evidentemente não havia comparação, já que Diego era pouco mais que uma criança e se foi antes que se tornasse um adulto de verdade.
A situação estava posta... Não era a diferença de idade entre os dois que iria atrapalhar a relação... Nadine não discordou, mas sentenciou que “a vida com Henri” jamais seria como “a vida com Diego”.
Henri mostrou que aquilo era óbvio... “Não há dois amores que sejam iguais”... Não adiantava ela buscar situações que não faziam parte da vida que ambos levavam, pois evidentemente não as encontraria.
Ao que tudo indica, Nadine entendeu o raciocínio e a análise do marido... Respondeu que jamais esqueceria Diego.
Henri disse que não havia problema nenhum... Sugeriu que não se esquecesse de seu antigo amor... Mas ressaltou que ela não podia se arvorar nas recordações e idealizar a relação que experimentavam no presente... Ao “se refugiar no passado”, Nadine assumia ares de superioridade perante todos.
Ela sabia disso... Manifestou que se sentia presa ao passado. Henri a compreendia e explicou também que não advinha de suas recordações a “má vontade de viver”... As lembranças serviam como justificativas... Sua “má vontade” se relacionava a ressentimentos e desconfianças.
Ele citou como exemplo a própria situação que vivenciavam... Ela duvidava que ele a amasse, então passava a querer-lhe mal... Para punir-se não se abria e desconfiava. Era um “círculo vicioso”!
O que ela precisava admitir é que era amada por ele... Henri disse que, por isso, merecia a sua confiança... Ela cometia grande injustiça ao permanecer desconfiando de seus sentimentos.
Um tanto desolada, Nadine disse que não há como sair de um “círculo vicioso”. Henri a abraçou e respondeu que era uma questão de tomar uma decisão de confiança... Talvez ela pensasse que ele não merecesse, todavia era melhor estabelecer o laço do que tratá-lo injustamente. Afinal, apesar de ser mais velho, não se tratava de um juiz e tampouco podia ser comparado ao Diego.
(...)
A conversa franca terminou com um pedido de perdão. Henri ajudou-a a deitar-se para o merecido descanso.
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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