Nadine possuía uma grande angústia... Mas ela não queria partilhar com ninguém, principalmente com Henri.
Acontece que chegaram a um ponto em que não havia mais como fugir do tema. Ele sugeriu a ela que se abrisse... Ela sustentou que não podia porque se tratava de algo simplesmente horrível.
Obviamente Henri tinha ideia do que se tratava e demonstrou que não se surpreenderia com o que quer que fosse. Aos poucos Nadine se sentiu segura e falou. Mas foi Henri quem se antecipou a dizer que o que a atormentava se referia à sua gravidez, propositada para “forçar a união”.
(...)
E era isso mesmo. Esse tipo de diálogo chega a causar
espanto na atualidade... Mas aqueles eram tempos em que as sociedades (por mais
“liberalizadas” que fossem) recebiam com espanto as notícias sobre gravidezes
antes do casamento. Famílias tradicionais exigiam o imediato casamento, ou
davam um jeito de “esconder” a filha (enviando-a para um convento, por
exemplo).
(...)
Nadine exclamou que se ele sabia desde o princípio devia considerá-la
repugnante. Henri respondeu que jamais se casaria com ela se não a amasse de
verdade, e explicou que também ela não o aceitaria se não fosse assim. Então
aconteceu que o que engendrara lembrava um “jogo” do qual só ela participara.
No fundo os dois sabiam que ela não seria capaz de
forçá-lo à união... Por outro lado a situação devia diverti-la, pois dava a
entender que pressionara Henri a uma decisão que o tirava de seu confortável
modo de ser.
Nadine percebeu que ele chegara a uma conclusão adequada. Disse-lhe que
de qualquer modo sua atitude havia sido horrível... Henri não concordou e disse
que havia sido “inútil”, já que considerava que mais cedo ou mais tarde se
casariam e certamente teriam filhos.
Essa afirmação a espantou. No mesmo momento quis que ele confirmasse...
Henri reafirmou e isso devia levá-la a entender que jamais se uniriam se isso
lhe fosse desagradável.
Mas não era só isso. Ele quis que ela entendesse também que seria
desagradável se não a amasse... Nadine insistiu que podemos vir a gostar da
companhia de alguém sem amá-lo verdadeiramente.
Também a isso Henri teve de redarguir... Disse que com ele não era dessa
forma... Depois emendou que tudo era uma questão de admitir que ele a amava
verdadeiramente. Levou em consideração que ela era mesmo desconfiada, mas sustentou
que quando se envolveu com Diego não problematizava tanto.
(...)
Nadine respondeu que a
situação era bem diferente... É que se sentia “dona” do rapaz. Diego lhe
pertencia... Henri não objetou, mas salientou que esse era também o seu caso...
Evidentemente não havia comparação, já que Diego era pouco mais que uma criança
e se foi antes que se tornasse um adulto de verdade.
A situação estava posta...
Não era a diferença de idade entre os dois que iria atrapalhar a relação...
Nadine não discordou, mas sentenciou que “a vida com Henri” jamais seria como “a
vida com Diego”.
Henri mostrou que
aquilo era óbvio... “Não há dois amores que sejam iguais”... Não adiantava ela
buscar situações que não faziam parte da vida que ambos levavam, pois
evidentemente não as encontraria.
Ao que tudo indica, Nadine entendeu o raciocínio e a análise do
marido... Respondeu que jamais esqueceria Diego.
Henri disse que não havia
problema nenhum... Sugeriu que não se esquecesse de seu antigo amor... Mas
ressaltou que ela não podia se arvorar nas recordações e idealizar a relação
que experimentavam no presente... Ao “se refugiar no passado”, Nadine assumia
ares de superioridade perante todos.
Ela sabia disso... Manifestou que se sentia presa ao
passado. Henri a compreendia e explicou também que não advinha de suas
recordações a “má vontade de viver”... As lembranças serviam como
justificativas... Sua “má vontade” se relacionava a ressentimentos e
desconfianças.
Ele citou como exemplo a própria situação que vivenciavam... Ela
duvidava que ele a amasse, então passava a querer-lhe mal... Para punir-se não
se abria e desconfiava. Era um “círculo vicioso”!
O que ela precisava admitir é que era amada por ele...
Henri disse que, por isso, merecia a sua confiança... Ela cometia grande
injustiça ao permanecer desconfiando de seus sentimentos.
Um tanto desolada, Nadine disse que não há como sair de um “círculo
vicioso”. Henri a abraçou e respondeu que era uma questão de tomar uma decisão
de confiança... Talvez ela pensasse que ele não merecesse, todavia era melhor
estabelecer o laço do que tratá-lo injustamente. Afinal, apesar de ser mais
velho, não se tratava de um juiz e tampouco podia ser comparado ao Diego.
(...)
A conversa franca terminou com um pedido de
perdão. Henri ajudou-a a deitar-se para o merecido descanso.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/12/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir_24.html
Leia: Os
Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto