O estádio ficou lotado...
Os curiosos que chegavam sem encontrar lugares nas arquibancadas se acomodaram nas árvores...
Comerciantes aproveitaram o aglomerado para faturar com a venda de sorvetes e refrigerantes.
Todos perceberam que o esperado momento se aproximava quando um caminhão do exército estacionou no campo de jogo... Soldados desceram... Via-se que formavam o pelotão de fuzilamento... Depois foi a vez de Victoriano Gomez sair do veículo... De modo altivo, olhou para a arquibancada e disse o mais alto que pôde que era inocente.
Novo silêncio se apossou dos espectadores... Das posições reservadas às autoridades e “notáveis do lugar” surgiram vaias e apupos.
(...)
Quem não estava presente no estádio ou pendurado nas
árvores das proximidades pôde acompanhar tudo através da transmissão
televisiva... Todo o país (?) teve acesso ao programa minuciosamente planejado
pelo governo.
As câmeras foram acionadas...
Victoriano Gomez havia sido posicionado na pista de
atletismo. Mas os operadores de câmeras protestaram e exigiram que o condenado
fosse encaminhado para o meio do campo... Certamente ali havia iluminação mais
adequada e isso proporcionaria melhor visualização.
O próprio Gomez parecia entender a sua parte no espetáculo e
encaminhou-se à área central sem oferecer qualquer resistência. Parou e fez
“posição de sentido”. Das arquibancadas podia-se ver apenas uma “pequena
silhueta”.
Kapuscinski comenta que isso subtraía um pouco da “crueldade da
execução” e contribuía para que a morte fosse vista como “espetáculo”... Os que
operavam câmeras fizeram o rosto do jovem se aproximar da tela... Apenas os
telespectadores tiveram acesso a esse foco... Os presentes no estádio viam tudo
de longe.
(...)
É preciso que se diga que o texto do polonês parece não corresponder ao
que efetivamente ocorreu... Os recortes que temos do episódio não revelam o
cenário que ele descreve... Não há como negar que a produção de Kapuscinski a
respeito da execução do guerrilheiro salvadorenho é “romanceada” e apresenta
tom panfletário. O “sacrifício do mártir” tal como é apresentado, sem dúvida,
municia os seus críticos.
(...)
Na sequência do relato lemos que uma saraivada de tiros foi disparada
pelo pelotão de fuzilamento.
O essencial do “espetáculo”
só podia ser breve... Mas é claro que Kapuscinski tornou a expectativa em torno
de seu ápice um enredo grandioso.
(...)
O corpo do rapaz foi ao
chão, e logo os soldados do pelotão o cercaram... Os tipos contaram os tiros
que o derrubaram... Treze...
O comandante aprovou...
Depois recolheu a sua arma... Deu ordem para a retirada.
As arquibancadas foram se esvaziando... A transmissão
chegou ao fim e os jornalistas teceram suas últimas considerações aos
telespectadores (claro que a quantidade de aparelhos de televisão nem devia ser
tão significativa no país).
O cadáver foi colocado no caminhão... Os soldados também tomaram seus
lugares no veículo para partir.
A mãe de Victoriano
permaneceu em silêncio e sem esboçar qualquer movimento.
Alguns mais curiosos a
cercaram.
Silêncio.
Leia: A
Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto