sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

“A Resistência”, de Julián Fuks – considerações sobre o livro – Primeira Parte

“A Resistência”, de Julián Fuks venceu o Prêmio Jabuti (livro do ano 2016 - ficção).


O enredo vivido pelo Sebastián do livro se inspira na trajetória existencial do autor. Uma breve consulta aos seus dados biográficos nos leva à essa conclusão.
Sebastián narra o processo de elaboração de uma produção textual que evidencia as origens de sua família...
No início do texto o vemos a se manifestar a respeito de um irmão adotivo: “Meu irmão é adotivo, mas não posso e não quero dizer que o meu irmão é adotado”... É sobre este irmão que ele quer escrever.
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O caso é que antes de seus pais emigrarem para o Brasil (1976), adotaram um recém-nascido... Sebastián recorre à memória (então certas lacunas são resolvidas por formulação que não corresponde à veracidade dos fatos – há importância nisso, se o texto é fictício?) e à investigação in loco de sítios em Buenos Aires para resgatar sua história.
A necessidade de se retirarem do país relacionava-se à perseguição política iniciada imediatamente após a instauração da ditadura civil-militar naquele país... O “Processo de Reorganização Nacional” deu início a uma verdadeira caçada a militantes peronistas e outros esquerdistas... Como se sabe, depois de aprisionados, passavam por torturas em ambientes anexos de prédios militares... Milhares foram assassinados e dados como “desaparecidos”. Recém-nascidos foram retirados de jovens mães submetidas ao terror e acabaram entregues a outros casais. Esse podia ser o caso do irmão de Sebastián? No início do livro há uma referência que nos leva a pensar nessa possibilidade.
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Os pais de Sebastián eram dedicados residentes psicanalistas. Estavam afinados em relação às críticas aos métodos tradicionais de tratamento e desejavam mudanças que em síntese resultariam na humanização do atendimento aos doentes mentais.
Mas não é só isso. A narrativa dá conta de uma militância.... Eles participavam de reuniões... Armas eram guardadas em casa. Apesar de todas as temeridades, a mudança para o Brasil não se deu imediatamente. E é bom que se diga que o destino seria outro.... Talvez o México, talvez a Espanha.
Instalaram-se em São Paulo, onde a irmã biológica de Sebastián e ele próprio nasceram. Decidiram-se pela permanência.
(...)
Os anos iniciais foram de cumplicidade entre os irmãos, notadamente entre os dois garotos.... Os pais nunca esconderam a adoção do mais velho e por um bom tempo essa condição não foi tema controverso.
A vida seguiu regrada para a família e nada parecia ameaçar a “normalidade” da convivência. Sebastián relata certos detalhes a respeito das reuniões marcadas pela harmonia, sobretudo nos momentos de refeição em que cada um sabia ocupar o devido lugar à mesa.
Aos poucos, porém, as relações se tornaram tensas.... Não é de se estranhar que o pequeno Sebastián não tivesse a maturidade para lidar com certas diferenças em relação ao mais velho. Há o episódio marcado por uma longa viagem de automóvel em que o garoto se irritou com a irmã e sentenciou que, por causa de entrevero não detalhado, manifestou que a outra não podia ser sua irmã...
Todos tomaram o caso por anedótico. Em diversas reuniões com amigos, a família o retomou. Mas a esse respeito, o adotado nunca se manifestou, nem durante o episódio nem posteriormente.
Sebastián começou a problematizar algumas situações que evidenciavam que os vínculos com o adotivo eram fragilizados. Certa vez intrometeu-se numa conversa do irmão com um amigo e acabou sendo expulso do quarto.
Também há o relato sobre como Sebastián notou com que facilidade o irmão assumia a sua “argentinidade”, que o tornava mais próximo dos pais... Ele cita um episódio durante a transmissão da Copa do Mundo de 1978, realizada na Argentina e destaca a partida em que descaradamente a seleção peruana entregou o resultado de goleada favorável ao time da casa em detrimento da classificação da invicta seleção brasileira.
Leia: A Resistência. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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