quinta-feira, 30 de março de 2017

“Minha Vida de Menina”, de Helena Morley – o aniversário de Siá Aninha – segunda parte; Helena na mesa “mais bem servida” da festa; discurso do padre e situação vexatória provocada pelo professor Leivas; seu Antônio do Rego, o comilão que sabia remediar “situações calamitosas”; registros de 5 de novembro de 1893; de relógios e de “tempo da natureza”

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/03/minha-vida-de-menina-de-helena-morley_29.html antes de ler esta postagem:

O jantar em homenagem à Siá Aninha foi dos mais concorridos e animados. O padre Augusto compareceu e recitou versos que desejavam saúde à aniversariante.
Helena estava na primeira mesa, onde os pratos e copos eram muito bem servidos. Seu Antônio do Rego, conhecido como “o maior comilão da cidade” estava numa das cadeiras.
Quem também marcava presença na “mesa preferencial” era o professor Leivas, que lecionava na escola onde Helena estudava. O pobre homem tinha a fama de embriagar-se nas festas das quais participava. Dizia-se que ele sempre acabava “bicudo” (que era como chamavam os bêbados).
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Aconteceu que após as palavras do padre, Helena olhou para o professor e viu que ele estava com as bochechas cheias e de boca fechada. O tipo estava fazendo uma “careta muito engraçada”.
A menina não conseguiu parar de encará-lo e não pôde conter o riso. Sua gargalhada tornou-se ainda mais inevitável depois que notou o seu Antônio do Rego preocupado em retirar a travessa de lombo de porco com batatas que estava à sua frente. Ele simplesmente escondeu-a debaixo da mesa!
Só depois de algum tempo é que Helena entendeu o motivo daquele procedimento. O professor encheu ainda mais as bochechas até que “dois esguichos de cerveja” escaparam de seu nariz e emporcalharam a mesa e os demais pratos.
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A cena degradante era também muito engraçada.
O professor foi levado para outro cômodo enquanto outra toalha era providenciada para a mesa. Com ares de “salvador da pátria”, seu Antônio do Rego recolocou a travessa e disse que pelo menos aquele prato estava salvo. O melhor que tinham a fazer, emendou, era comê-lo antes que o Leivas voltasse.
Helena explica que não teve mais condições de continuar a comer. Não era apenas pela repugnância provocada pela embriaguez do professor. O caso é que ela não conseguiu parar de rir da confusão e do modo como os adultos se arranjavam para “remediar imprevistos”.
Depois de saciados, começaram a “cantar os coretos” (que eram cantigas típicas de reuniões festivas como aquela).
Os doces estavam dispostos num cômodo separado. Helena se retirou depois que certo Caetaninho do Palácio a convidou para experimentar do manjar e da geleia que ele mesmo havia feito e guardado especialmente para ela.

(...)

Também o registro de 5 de novembro de 1893 apresenta uma situação muito engraçada.
Helena começa explicando que apenas os homens usavam relógios. As pessoas que moravam na cidade não sentiam a menor falta do acessório porque a maioria das igrejas tinham relógio numa de suas torres.
Logo que ela e Luisinha chegavam da escola, dona Carolina sabia que estava na “hora do almoço”. À tarde nenhum dos filhos se esquecia da “hora de jantar”. Como a vida que levavam era das mais simples, pode-se dizer que os relógios não lhes eram necessários.
Mas era certo que quando o pai de Helena estava com a família ninguém se confundia com as horas. Como ele passava a maior parte do tempo trabalhando na lavra, algumas vezes dona Carolina fez confusão com alguns horários.
(...)
A casa ficava próxima ao quartel, então ouvia-se a corneta de hora em hora até às nove da noite. Depois a boa mulher contava com sinais da natureza, principalmente o canto do galo.
Não foram poucas as vezes que dona Carolina se equivocou por causa dos galos que “erraram no horário que deviam cantar”.
Evidentemente isso proporcionou boas histórias. Uma delas ocorreu na madrugada de 5 de novembro de 1893, um domingo.
Leia: Minha Vida de Menina. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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