domingo, 12 de março de 2017

“Minha Vida de Menina”, de Helena Morley – registros de 13 de outubro de 1894; o zelo de tia Madge; o episódio dos chapéus feitos com as armações de marfim vindas da Inglaterra; algazarra e medo de gozação das amigas da escola

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/03/minha-vida-de-menina-de-helena-morley_4.html antes de ler esta postagem:

Tia Madge foi uma pessoa especial para Helena.
Ela era sua madrinha de crisma e tal como dona Teodora, vivia a elogiá-la.
Madge ria como ninguém das coisas que a sobrinha lhe contava, e a todos dizia que a garota era “inteligente, espirituosa e boa”.
Apesar disso, Helena não conseguia entender como todos os seus pequenos dramas se relacionavam a caprichos da tia Madge em relação a ela. Vários trechos do diário apresentam relatos que confirmam essa sua constatação.
(...)
Há o relato de um episódio bem engraçado nas páginas reservadas ao dia 13 de outubro de 1894.
Antes de entrar em detalhes, a pequena Helena antecipou que seria “mais feliz” se Madge fosse como as outras suas tias, que sequer notavam o que ela fazia.
O fato é que Madge não se conformava ao vê-la passar com Luisinha em frente de sua casa sem que levassem qualquer proteção contra o ardente sol. Vivia dizendo ao seu Alexandre que as garotas precisavam de um “chapéu de sol”.
O pai parecia não dar importância à observação... Então Madge resolveu agir e buscou em meio às velharias que guardava umas interessantes armações de marfim que haviam sido trazidas da Inglaterra pelos avós de Helena.
As armações foram entregues ao seu Alexandre, que encomendou o serviço de Siá Eufrásia Boaventura, que era “encapadora de chapéus”. Depois de acertar como pagaria pelo serviço, o homem sentiu-se aliviado e comentou com a esposa que ele e as filhas poderiam sossegar em relação aos reclamos de Madge.
(...)
Quando os chapéus ficaram prontos, Helena e Luisinha mostraram-se decepcionadas. Não gostaram do resultado e entendiam que um ficou “redondo como uma cuia” e o outro ficou achatado.
Evidentemente colocaram os chapéus e se dirigiram à casa da tia... Madge aprovou a confecção e disse que a partir de então as sobrinhas não mais se encheriam de sardas.
Orgulhosa da própria iniciativa, sugeriu que elas mostrassem às amigas ressaltando que os cabos de marfim tinham vindo da Inglaterra.
(...)
Cada uma com o seu chapéu, Helena e a irmã mais nova seguiram para a escola... Os colegas aguardavam o horário de entrada quando as viram passar... Luisinha comentou que logo que chegaram alguém disse “Olha só o que as inglesinhas arranjaram agora!”... Na sequência puseram-se a rir.
A insegurança tomou conta de ambas. Helena sugeriu esconderem os chapéus no “armário de trabalhos”. Ela entendia que não podiam mais ser vistas para não se tornarem motivo de gozação. Depois, quando não pudessem ser notadas, dariam um fim naquelas “aberrações”.
Mas aconteceu que uma das colegas encontrou os estranhos acessórios e passaram a se divertir com eles. Cada uma pegou um e saíram em desfile pela escola como se estivessem em meio à chuva (ninguém usava chapéu em dias ensolarados!). As demais alunas caíram na algazarra e se colocaram em passeata atrás das duas que estavam “fantasiadas”.
Helena e Luisinha se esconderam e esperaram aquele infeliz momento chegar ao fim. Ainda bem para elas que os intervalos eram de apenas quinze minutos. Mais uma vez Helena tomou a frente e acertou com Luisinha para que pegasse os chapéus e os levasse para a casa da tia Aurélia assim que a sineta tocasse. Depois ela podia voltar à escola.
(...)
Mais tarde as duas contaram sobre o ocorrido à tia Madge e ao pai... Nenhum dos dois viu motivos para deixarem de usar os chapéus.
Obviamente Helena e a irmã não pensavam da mesma forma.
Os registros de Helena revelam que um dos grandes complicadores para a sua jovem existência era a falta de sintonia entre o modo de pensar dos adultos e o modo de ser dos mais jovens.
Leia: Minha Vida de Menina. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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