Tia Madge foi uma pessoa especial para Helena.
Ela era sua madrinha de crisma e tal como dona Teodora, vivia a
elogiá-la.
Madge ria como
ninguém das coisas que a sobrinha lhe contava, e a todos dizia que a garota era
“inteligente, espirituosa e boa”.Apesar disso, Helena não conseguia entender como todos os seus pequenos dramas se relacionavam a caprichos da tia Madge em relação a ela. Vários trechos do diário apresentam relatos que confirmam essa sua constatação.
(...)
Há o relato de um episódio bem engraçado nas páginas
reservadas ao dia 13 de outubro de 1894.
Antes de entrar em detalhes, a pequena Helena antecipou que seria “mais
feliz” se Madge fosse como as outras suas tias, que sequer notavam o que ela
fazia.
O fato é que Madge não se conformava ao vê-la passar
com Luisinha em frente de sua casa sem que levassem qualquer proteção contra o
ardente sol. Vivia dizendo ao seu Alexandre que as garotas precisavam de um
“chapéu de sol”.
O pai parecia não dar importância à observação... Então Madge resolveu
agir e buscou em meio às velharias que guardava umas interessantes armações de
marfim que haviam sido trazidas da Inglaterra pelos avós de Helena.
As armações foram entregues ao seu Alexandre, que encomendou o serviço
de Siá Eufrásia Boaventura, que era “encapadora de chapéus”. Depois de acertar
como pagaria pelo serviço, o homem sentiu-se aliviado e comentou com a esposa
que ele e as filhas poderiam sossegar em relação aos reclamos de Madge.
(...)
Quando os chapéus ficaram prontos, Helena e Luisinha mostraram-se
decepcionadas. Não gostaram do resultado e entendiam que um ficou “redondo como
uma cuia” e o outro ficou achatado.
Evidentemente colocaram os chapéus e se dirigiram à casa da tia... Madge
aprovou a confecção e disse que a partir de então as sobrinhas não mais se
encheriam de sardas.
Orgulhosa da própria
iniciativa, sugeriu que elas mostrassem às amigas ressaltando que os cabos de
marfim tinham vindo da Inglaterra.
(...)
Cada uma com o seu chapéu, Helena
e a irmã mais nova seguiram para a escola... Os colegas aguardavam o horário de
entrada quando as viram passar... Luisinha comentou que logo que chegaram
alguém disse “Olha só o que as inglesinhas arranjaram agora!”... Na sequência
puseram-se a rir.
A insegurança tomou
conta de ambas. Helena sugeriu esconderem os chapéus no “armário de trabalhos”.
Ela entendia que não podiam mais ser vistas para não se tornarem motivo de
gozação. Depois, quando não pudessem ser notadas, dariam um fim naquelas “aberrações”.
Mas aconteceu que uma das colegas encontrou os estranhos acessórios e
passaram a se divertir com eles. Cada uma pegou um e saíram em desfile pela
escola como se estivessem em meio à chuva (ninguém usava chapéu em dias
ensolarados!). As demais alunas caíram na algazarra e se colocaram em passeata
atrás das duas que estavam “fantasiadas”.
Helena e Luisinha se
esconderam e esperaram aquele infeliz momento chegar ao fim. Ainda bem para
elas que os intervalos eram de apenas quinze minutos. Mais uma vez Helena tomou
a frente e acertou com Luisinha para que pegasse os chapéus e os levasse para a
casa da tia Aurélia assim que a sineta tocasse. Depois ela podia voltar à
escola.
(...)
Mais tarde as duas contaram sobre o ocorrido à tia
Madge e ao pai... Nenhum dos dois viu motivos para deixarem de usar os chapéus.
Obviamente Helena e a irmã não pensavam da mesma forma.
Os registros de Helena revelam que um dos grandes
complicadores para a sua jovem existência era a falta de sintonia entre o modo
de pensar dos adultos e o modo de ser dos mais jovens.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/03/minha-vida-de-menina-de-helena-morley_16.html
Leia: Minha
Vida de Menina. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto