sábado, 4 de março de 2017

“Minha Vida de Menina”, de Helena Morley – registros de 15 de abril de 1895; sobre a Semana Santa; Helena e sua divergência com a mãe a respeito de não se alegrar naqueles dias; procissões, rituais e celebrações específicas desde a infância; o Sábado de Aleluia e a malhação do Judas; a animação do “pau de sebo”

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/03/minha-vida-de-menina-de-helena-morley.html antes de ler esta postagem:

Em seu registro de 15 de abril de 1895, Helena fez referências à Semana Santa.
Por se tratar de uma época em que se lembra “o sofrimento de Jesus”, dona Carolina dizia que não era correto manifestar alegria.
Helena admitia crer sinceramente “nas outras coisas da religião”, mas não achava que alguém pudesse ficar triste “do sofrimento de Jesus Cristo depois de tantos anos, e dele já estar no Céu, ressuscitado e feliz”.
(...)
As semanas santas eram sempre marcadas por eventos e celebrações religiosas nas igrejas, praças e ruas da cidade. Helena aguardava ansiosamente o início dos rituais.
Enquanto escrevia o diário, recordava-se com carinho de uma ocasião em que seguira a procissão da Paixão com Glorinha... As duas, ainda crianças pequenas, carregavam “os cravos e a esponja” (essa última utilizada para ser elevada com vinagre ao alto da cruz). Tantas encenações deixavam-na admirada com a “ruindade dos homens” que faziam “papéis de judeus” que judiavam de Nosso Senhor.
(...)
Dona Carolina não deixava de levar para casa as velas, pães e palmas utilizados nos rituais daquela semana... Acreditava que tudo aquilo era bento e, por isso mesmo, podia trazer benefícios aos crentes.
Na sexta-feira santa o Senhor Morto ficava exposto e todos da família tinham a obrigação de adorá-lo... Havia o costume de levar níqueis para serem trocados por vinténs “na salva dos pés do Senhor”.
A palma, a vela e o pão bentos eram artigos nos quais Helena depositava fé... E isso porque era muito difícil alguém da casa adoecer e necessitar da visita de médico ou de remédios.
Eventualmente, quando alguém sofria de dores de barriga, e não havia chá de artemija (ou Artemísia; planta utilizada no preparo de chás com diversos fins medicinais), era só ingerir “um gole de água com um pedaço de pão bento”, que tudo se resolvia.
Sobre a vela e a palma, Helena só tinha considerações positivas... Só não evitavam a morte! Quando assustadores trovões anunciavam tempestades, bastava acender a vela e queimar um pedaço da palma... A menina usava dos mesmos expedientes nas épocas de exames escolares, quando também dona Carolina se ajoelhava diante do oratório com a vela benta acesa pedindo que tudo corresse bem com a filha.
Dizia-se que se mantivessem em casa o vintém que traziam dos pés do Senhor Morto não faltaria dinheiro... Helena não acreditava nisso. Sempre perguntava à mãe por que eram tão pobres ainda que guardassem o “vintém bento”. Mas sobre isso ela nunca obteve resposta.
(...)
Helena sentia-se com mais maturidade para tecer comentários a respeito da Semana Santa de 1895.
Talvez pela primeira vez ela se sentisse em condições de dar sua opinião a respeito dos rituais... Deixou registrado que entendeu o motivo de o senhor bispo lavar os pés dos estudantes... Participou das celebrações e percebeu também os significados das “Trevas” (uma cerimônia específica em que todos se reúnem na igreja em total escuridão) e da “Ressurreição”.
Ouviu com atenção os cânticos e apreciou a voz de Maria Beú. Aprovou Sinhá Mota no “papel de Maria Madalena” a se atirar aos pés de Jesus.
(...)
De acordo com a garota, o Sábado de Aleluia era sempre muito divertido... Grupos de rapazes faziam um boneco para representar o “traidor de Jesus”... Judas, o boneco, era amarrado a um poste como se estivesse sendo enforcado, então a garotada dava-lhe pauladas e pontapés.
A animação foi ainda maior porque certo Luís de Resende mandou que fincassem um “pau de sebo”. Lá no alto o homem deixou uma “bandeira de notas novas”.
Helena não esclareceu o terreno em que a brincadeira foi organizada, mas registrou que estava na sacada da casa de Luísa Guerra quando assistiu ao engraçado episódio em que uma desconhecida arriscou-se a subir no tronco lambuzado de sebo.
A figura estava bem arrumada e limpa, mas decidiu pregar um alfinete em sua saia de chita vermelha e assim arrumou uma espécie de calção... Ela usava um paletó branco que tornou-se encardido.
Helena riu-se a valer ao notar que os rapazes subiam uns nos outros para contribuir com ela. Dessa forma os pontos mais elevados foram alcançados... A diversão alcançou o ápice quando, faltando pouco para que ela chegasse ao dinheiro, os moços deixaram de lhe dar sustentação. É claro que ela escorregou até a base.
Helena viu que a mulher foi usada para “limpar o sebo”...
Depois ficou mais fácil para que um dos rapazes alcançasse o prêmio cobiçado.
Leia: Minha Vida de Menina. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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