Dona Carolina proibiu as filhas de se sentarem à mesa durante o almoço enquanto o seu Zeca estivesse presente.
Elas passaram a comer na cozinha. Mesmo assim não conseguiam se conter. Espiavam pela porta, viam o homem e disparavam a rir.
(...)
No dia mesmo em que o
registro do diário foi redigido (24 de maio de 1894), a esposa de seu Zeca fez
uma visita à dona Carolina.
Na verdade Siá Margarida acompanhou o marido à casa
dos patrões. Era uma quinta-feira e as garotas ficaram o dia inteiro em casa,
por isso ouviram toda a conversa que ela teve com a mãe.
O assunto eram os gases de seu Zeca. Helena e Luisinha prestavam atenção
durante um tempo e corriam ao quarto, onde podiam rir sem serem notadas. Elas
ficaram sabendo que ele estava chateado por ter sido a causa do castigo imposto
por dona Carolina.
Na sequência, Siá Margarida explicou que o marido não
podia mesmo comer fora de casa... Anunciou uma lista de alimentos que
provocavam os gases: “cebola, repolho, batata-doce, comida temperada”...
A boa mulher foi sincera ao dizer que, quando ele passava o dia à base
daquele tipo de refeição, os dois sofriam mais à tarde... Seu Zeca chegava em
casa “afrontado” e sua barriga mais lembrava “um zabumba”.
Siá Margarida disse também que nas ocasiões de maior desespero preparava
“um chá de erva-doce bem forte”... Dessa forma os gases saíam e o marido
sentia-se aliviado.
(...)
Podemos imaginar a reação de Helena e Luisinha ao ouvirem as palavras de
Siá Margarida.
A mulher sugeriu que seu Alexandre aumentasse o salário do seu Zeca em “uns
dez mil-réis”, assim ele poderia levar para a venda a comida feita por ela.
Dona Carolina concordou com a proposta.
Aquele foi um dia
diferente... Siá Margarida permaneceu até às cinco da tarde na casa de Helena e
fez biscoitos de polvilhos para o regalo das meninas... Jantou com elas e ao se
despedir convidou-as para uma visita à sua casa “cheia de frutas” no alto da
Luz.
(...)
Em seus registros de 4 de
agosto de 1894, Helena escreveu sobre a conversa que a família teve durante o
dia a respeito de sua falta de sorte.
Em síntese, todos
concordavam que a pessoas que passavam a organizar comércios sempre se saíam
muito bem... Montavam quitandas e logo ganhavam dinheiro. Pelo visto só mesmo
na lavra é que o pai de Helena conseguia alguma coisa.
(...)
A garota explica que causava estranheza o fato de, sempre que passavam
em frente à venda, notarem que os artigos escasseavam sem que seu Zeca
reabastecesse as prateleiras.
Foi ela quem relatou ao pai
o fato dando a entender que, já que o seu Zeca não comprava mais mantimentos,
ele devia enviar dinheiro à dona Carolina. Mas não acontecia nem uma coisa nem
outra.
Seu Alexandre explicou-lhe que o homem era muito
sério... Conversaria com ele para saber se algo de errado estava ocorrendo.
Seu Zeca tranquilizou o patrão. Disse que muitos clientes pagariam o que
deviam no final do mês (de julho) e que, assim que isso ocorresse, “faria
sortimento e prestaria contas”.
A semana teve início e o pai de Helena voltou
normalmente para a lavra...
(...)
Os dias se passaram, o mês chegou ao fim...
A curiosidade da garota levou-a a conferir como estavam as coisas na
venda. Tudo o que ela viu foram prateleiras desabastecidas. Notou as garrafas
de vinagre de jabuticabas que dona Carolina enviara... No barril de azeite, o
que mais chamava a atenção era uma volumosa poça que se avolumava ao seu
redor... Os sacos estavam praticamente vazios.
Seu Zeca parecia tranquilo em sua posição atrás do balcão...
(...)
O dia 4 de agosto de 1894 foi um sábado. Logo que chegou da lavra, Seu
Alexandre dirigiu-se à venda.
Então ficou sabendo que seu
Zeca havia vendido tudo fiado e que ninguém pagou nada do que do devia.
Tudo indicava que o erro do
funcionário foi o de vender a quem não tinha a menor condição de pagar...
Helena cita os nomes de certo Chico Guedes e um tal de Moisés de Paula, que não
tinha “onde cair morto”.
(...)
A venda foi fechada,
pois seu Alexandre viu que o negócio estava perdido.
Mandou para casa uma
ou outra coisa que podia ser aproveitada. O resto foi “vendido” ao seu Sebastião
Coruja, que era vendeiro dos experientes... O homem estabeleceu o valor das
mercadorias e não entregou nenhum centavo ao pai de Helena, pois ficou
combinado que o pagamento se daria conforme dona Carolina fizesse as compras em
seu estabelecimento.
É isso... O dinheirinho que
juntaram perdeu-se na aventura de abrir o negócio.
Seu
Alexandre e dona Carolina comprometeram-se a nunca mais pensar nesse tipo de
iniciativa.Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/03/minha-vida-de-menina-de-helena-morley_18.html
Leia: Minha Vida de Menina. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto