domingo, 19 de março de 2017

“Minha Vida de Menina”, de Helena Morley – registros de 9 de dezembro de 1894 – segunda parte; a festa na senzala; os filhos de seu Batista herdaram seus escravos; lembranças do 13 de maio na chácara de dona Teodora; explicando a permanência dos negros na chácara

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/03/minha-vida-de-menina-de-helena-morley_19.html antes de ler esta postagem:

Vimos que o dia 8 de dezembro de 1894 foi de muitas festas na chácara de dona Teodora. Além da solenidade do dia de Nossa Senhora da Conceição, havia o aniversário do negro Joaquim de Angola e o casamento de sua filha Júlia.
Estávamos neste ponto em que Helena resolveu alimentar-se rapidamente para conferir a comemoração que acontecia na senzala. Ela mesma sentenciou que nunca vira festa tão animada.
(...)
O que Helena viu de tão interessante na festa da senzala?
Além de Joaquim de Angola, havia outros três negros nascidos na África que ainda viviam na chácara: Benfica, Quintiliano e Mainarte.
A animação era contagiante! Joaquim de Angola e seus companheiros africanos cantavam antigas cantigas de seus antepassados, batiam palma, “viravam e reviravam” e na sequência caminhavam em direção a uma das negras para dar-lhe uma “umbigada”.
De acordo com ela, os demais negros sentiam uma ponta de inveja dos mais velhos que dançavam com muito entusiasmo e conheciam as cantigas da África.
Depois de muita dança e cantoria houve um momento em que se sentaram à mesa para saudarem-se uns aos outros... Chamou a atenção de Helena o fato de todos vestirem calças e camisas brancas.
Seguiu-se ainda muita animação entre os que confraternizavam.
(...)

Na parte final de seus registros, Helena escreveu sobre sua satisfação por saber que os negros da chácara viviam felizes. Ela contou que dona Carolina havia lhe explicado os motivos daquela harmonia toda.
Em síntese, logo que seu Batista morreu, cada um de seus doze filhos “ficou com os escravos de sua estimação”... Dez ou doze permaneceram com dona Teodora, e eles a acompanharam quando ela se mudou para a chácara em Diamantina.
Dona Teodora decidiu que os negros trabalhariam na roça e que as negras fariam renda e “trocariam pernas pela casa”.

(...)
A Lei de Treze de Maio foi assinada em 1888. Helena não tinha completado oito anos, mas lembrava-se de alguns episódios.
Quando aquela notícia chegou aos ouvidos dos negros que viviam na chácara de dona Teodora, foi uma alegria geral. Eles largaram o que estavam fazendo e se reuniram no terreiro.
Fizeram uma algazarra... Cantavam e dançavam... Disseram que estavam livres e que não precisavam mais trabalhar.
A gritaria era geral e a situação deixou dona Teodora irritada a tal ponto que ela tomou sua bengala e se dirigiu à porta esbravejando. Expulsou-os e, de acordo com os escritos de Helena, disse que eles deviam cair fora de sua propriedade...
Chamou-os de tratantes e disse que “A liberdade veio não foi para vocês não, foi para mim!”. Depois exigiu que saíssem naquele mesmo momento.
Todos silenciaram e aos poucos se encaminharam para a senzala.
Depois de algum tempo, Joaquim de Angola saiu e se dirigiu à dona Teodora. Foi como porta-voz dos demais que ele pediu perdão e garantiu que todos desejavam permanecer com ela na chácara.
Dona Teodora consentiu... E assim ocorreu.
(...)
Helena garantiu que enquanto vivessem, ficavam junto de sua avó... É claro que muitos a deixaram depois que se casaram...
A menina não estranhava a situação e até tinha uma explicação para toda aquela conformidade toda: eles levavam uma vida muito boa na propriedade de dona Teodora.
Leia: Minha Vida de Menina. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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