É tempo de retornarmos ao diário de Helena Morley. É ele que dá conteúdo ao “Minha Vida de Menina”.
Para esta postagem destacamos os registros de 26 de julho de 1894. Naquela ocasião, o tema central das reflexões da garota foi o das superstições alimentadas pela gente de seu círculo, notadamente os familiares.
Como poderemos notar, a crença nas superstições era uma contradição ao que se ensinava nas igrejas. Mesmo assim os mais antigos insistiam que não se podia “abusar da sorte” e davam a entender que certas situações típicas eram de maus agouros e tinham de ser evitadas.
(...)
No referido dia 26, uma quinta-feira, Helena se
queixava de não ter o que escrever em seu diário, pois já jazia algum tempo que
nada de novo ocorria.
A semana havia sido de chuva e no momento em que se dirigiu à janela
para observar as estrelas esperava que alguma inspiração lhe viesse à cabeça,
porém não viu nada de especial.
Um cortejo fúnebre passava na rua. As pessoas vinham
da direção do Rio grande. Ela não tinha a menor ideia de quem era o morto e por
isso mesmo também esse episódio não resultara em tema para a sua produção
textual.
Ao retornar para a sua escrivaninha disposta a “copiar o exercício dos Ornamentos da Memória”, observou a mãe
insistindo para que os irmãos mais novos despertassem do pesado sono no qual
estavam mergulhados.
Naquele mesmo instante, Helena lembrou-se de quando era menor e dona
Carolina a despertava todas as vezes que “um defunto passava”. É claro que os
escrúpulos da boa mulher se deviam a uma antiga superstição.
(...)
Helena entregaria ao professor o exercício e explicaria que não tivera
tempo de elaborar uma redação. Mas teve a ideia de escrever sobre “A superstição
em Diamantina”.
Ela começou o seu registro garantindo que desde pequena sofrera com a
superstição de várias maneiras. O primeiro exemplo que lhe veio à memória foi o
das ocasiões em que a retiravam da mesa sempre que o total de pessoas reunidas era
de treze.
Pentear os cabelos durante
a noite também não era indicado porque isso podia resultar na morte da mãe, que
seria carregada para o inferno. Da mesma forma não se podia varrer a casa à
noite porque coisas ruins ocorreriam à vida dos familiares.
(...)
Havia grande quantidade e variedade
de superstições. Assim, o manuseio de espelhos devia ser feito com todo cuidado
para que não se quebrasse, pois isso podia resultar em muito azar. Tudo podia
fazer mal! Esfregar um pé no outro, andar de costas...
Nem tudo o que os
adultos proibiam tinha uma explicação. Em vários casos eles apenas indicavam
que não se devia fazer isso ou aquilo. Também sugeriam certas soluções para
ocasiões desagradáveis, como “virar uma vassoura para cima” e colocá-la atrás
da porta para dar fim às visitas que demoravam muito. Se isso não surtisse
efeito, jogava-se um pouco de sal no fogo...
Helena achava que as visitas iam embora logo que o sal era atirado ao
fogo porque elas ouviam o estralo e entendiam o significado daquilo (os donos
da casa queriam que se retirassem).
(...)
Ela estranhava que todos
sabiam que as superstições não eram bem vistas pelos religiosos. Todos sabiam
que era pecado, mas continuavam a orientar a vida a partir dessas crendices.
Preferiam agir dessa maneira e de quando em
quando levavam ao confessionário o pedido de perdão ao vigário.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/04/minha-vida-de-menina-de-helena-morley_16.html
Leia: Minha
Vida de Menina. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto