sábado, 15 de abril de 2017

“Minha Vida de Menina”, de Helena Morley – os registros de 26 de julho de 1894; a respeito das superstições alimentadas pela gente de Diamantina – primeira parte

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/03/minha-vida-de-menina-de-helena-morley_31.html antes de ler esta postagem:

É tempo de retornarmos ao diário de Helena Morley. É ele que dá conteúdo ao “Minha Vida de Menina”.
Para esta postagem destacamos os registros de 26 de julho de 1894. Naquela ocasião, o tema central das reflexões da garota foi o das superstições alimentadas pela gente de seu círculo, notadamente os familiares.
Como poderemos notar, a crença nas superstições era uma contradição ao que se ensinava nas igrejas. Mesmo assim os mais antigos insistiam que não se podia “abusar da sorte” e davam a entender que certas situações típicas eram de maus agouros e tinham de ser evitadas.
(...)
No referido dia 26, uma quinta-feira, Helena se queixava de não ter o que escrever em seu diário, pois já jazia algum tempo que nada de novo ocorria.
A semana havia sido de chuva e no momento em que se dirigiu à janela para observar as estrelas esperava que alguma inspiração lhe viesse à cabeça, porém não viu nada de especial.
Um cortejo fúnebre passava na rua. As pessoas vinham da direção do Rio grande. Ela não tinha a menor ideia de quem era o morto e por isso mesmo também esse episódio não resultara em tema para a sua produção textual.
Ao retornar para a sua escrivaninha disposta a “copiar o exercício dos Ornamentos da Memória”, observou a mãe insistindo para que os irmãos mais novos despertassem do pesado sono no qual estavam mergulhados.
Naquele mesmo instante, Helena lembrou-se de quando era menor e dona Carolina a despertava todas as vezes que “um defunto passava”. É claro que os escrúpulos da boa mulher se deviam a uma antiga superstição.
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Helena entregaria ao professor o exercício e explicaria que não tivera tempo de elaborar uma redação. Mas teve a ideia de escrever sobre “A superstição em Diamantina”.
Ela começou o seu registro garantindo que desde pequena sofrera com a superstição de várias maneiras. O primeiro exemplo que lhe veio à memória foi o das ocasiões em que a retiravam da mesa sempre que o total de pessoas reunidas era de treze.
Pentear os cabelos durante a noite também não era indicado porque isso podia resultar na morte da mãe, que seria carregada para o inferno. Da mesma forma não se podia varrer a casa à noite porque coisas ruins ocorreriam à vida dos familiares.
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Havia grande quantidade e variedade de superstições. Assim, o manuseio de espelhos devia ser feito com todo cuidado para que não se quebrasse, pois isso podia resultar em muito azar. Tudo podia fazer mal! Esfregar um pé no outro, andar de costas...
Nem tudo o que os adultos proibiam tinha uma explicação. Em vários casos eles apenas indicavam que não se devia fazer isso ou aquilo. Também sugeriam certas soluções para ocasiões desagradáveis, como “virar uma vassoura para cima” e colocá-la atrás da porta para dar fim às visitas que demoravam muito. Se isso não surtisse efeito, jogava-se um pouco de sal no fogo...
Helena achava que as visitas iam embora logo que o sal era atirado ao fogo porque elas ouviam o estralo e entendiam o significado daquilo (os donos da casa queriam que se retirassem).
(...)
Ela estranhava que todos sabiam que as superstições não eram bem vistas pelos religiosos. Todos sabiam que era pecado, mas continuavam a orientar a vida a partir dessas crendices.
Preferiam agir dessa maneira e de quando em quando levavam ao confessionário o pedido de perdão ao vigário.
Leia: Minha Vida de Menina. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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