domingo, 23 de abril de 2017

“Minha Vida de Menina”, de Helena Morley – os registros de 27 de outubro de 1894; Mãe Tina e a interpretação dos sonhos; pesadelos relacionados à vida de pecados; o pavoroso sonho sobre o Céu

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/04/minha-vida-de-menina-de-helena-morley_21.html antes de ler esta postagem:

Helena curtiu a sua meninice, observou os afazeres dos que lhe eram próximos e entendeu que a sua formação estava vinculada a todos os que a cercavam.
É verdade que seu círculo social não era dos maiores. Familiares e os negros e negras agregados desde o fim da escravidão...
O cotidiano marcado pela vida simples dos mineiros e da gente camponesa seguia o ritmo lento, pontuado pelas festividades e rituais católicos.
(...)
Em algum momento as considerações sobre os registros de 27 de outubro de 1894 do diário de Helena Morley teriam que aparecer por aqui.
Naquele longínquo sábado a menina escreveu sobre os sonhos, seus mistérios e as interpretações que suscitavam.
No início de sua produção textual, ela faz referência à história de José do Egito, que interpretava sonhos como ninguém. Certamente não lhe saía da cabeça o modo como ele desvendou o sonho do faraó sobre as sete vacas gordas e as sete magras...
Sete anos de fartura e outros de sete de fome. Tudo se encaixava tão bem que certamente os sonhos que temos cotidianamente também têm explicações e podem ser interpretados.
Na época em que tinha bem menos idade, Helena dava ouvidos às negras que viviam na chácara. Eram elas que explicavam os sonhos e seus significados. Mas houve a ocasião em que elas a amedrontaram a respeito do “pecado de achar padre feio” (ainda trataremos a respeito do episódio de sua Primeira Comunhão, quando a polêmica ocorreu).
(...)
Mãe Tina era a negra que mais falava a respeito dos sonhos e dava conselhos.
Helena lamenta que muitos sonhos eram esquisitos e, por não os entender, angustiava-se. O tempo passou e com isso as explicações de Mãe Tina se tornaram muito simplórias para ela.
A garota lembra que sempre que contava sobre seus sonhos, Mãe Tina dizia que “sonho é a alma que não dorme como o corpo e fica pensando. Se a gente é boa e vive com Deus o sonho é bom; se está com pecado mortal o sonho é ruim”.
Helena entendia que alguns de seus sonhos eram muito ruins. Então só podia estar em “pecado mortal”! Não desejava a ninguém aquele tipo de angústia. Era contá-los à Mãe Tina e ela a colocava de joelhos para rezar.
Qual seria o seu “pecado mortal”?  Ela não podia saber. Então ficava a imaginar que talvez fosse a inveja ou gula. Pensava assim e começava a se tranquilizar ao prometer a si mesma e a Deus que iria se corrigir.
(...)
Nos mesmos registros, Helena cita os seus medos e o quanto os sonhos podiam se relacionar com eles. Sentia pavor do modo como lhe “pintavam” o inferno. Não conseguia se aquietar depois de ouvir “histórias de almas do outro mundo”! As negras sabiam de casos de lobisomem e mula sem cabeça. Coisas medonhas mesmo.
Sonhar com jabuticabas significava que alguém conhecido morreria. Evidentemente isso suscitava dúvidas! Não era tudo o que as negras falavam que dava certo!
Elas diziam que sonhar com piolhos significava que logo se ganharia algum dinheiro. Com isso Helena concordava porque ela mesma pudera confirmar algumas vezes.
(...)
Um dos sonhos mais apavorantes que Helena teve, e que não deixou de contar à Mãe Tina, foi o que ela percebeu que havia morrido e ido para o Céu. O problema é que em seu sonho o Céu era horrível. Nele se levava uma vida muito triste.
Mas o que era o Céu no sonho de Helena?
“Era um terreiro enorme e muito limpo”. Por todo lado viam-se mulheres velhas com seus pesados casacos e mantilhas na cabeça. Passavam o tempo todo a rezar sem que dessem a menor importância umas às outras.
Nada de São Pedro ou de anjos. Apenas a velharia a rezar. Quando não estavam ajoelhadas, andavam cabisbaixas de um lado para outro compenetradas em suas orações.
O maior alívio foi ter despertado desse sonho.
Leia: Minha Vida de Menina. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

Páginas