sexta-feira, 14 de julho de 2017

“Minha Vida de Menina”, de Helena Morley – considerações finais sobre os registros de 3 de setembro de 1895; uma filha de monarquista não devia chorar por causa de uma festa de “gentinha”; Helena compara a avó à Nossa Senhora

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/07/minha-vida-de-menina-de-helena-morley_13.html antes de ler esta postagem:

Estamos no ponto em que Helena cita o episódio de sua infância marcado por profunda dor que sentiu por considerar-se preterida em relação às primas.
Em seu diário, nos registros de 3 de setembro de 1895, data da morte de sua querida avó, lembrou de um desfile em comemoração ao dia da Proclamação da República... Os oficiais do batalhão recorreram à família de dona Teodora solicitando a participação de duas de suas crianças para a composição da “ala dos estados”.
Helena entristeceu-se por não ter sido escolhida. Invejou as primas, o modo como foram vestidas e se tornaram o centro das atenções. Envergonhada e cheia de amargura, retirou-se da casa às pressas para chorar no gramado do terreno atrás da igreja.
Enquanto chorava, notou que a ponta de uma bengala tocava-lhe o ombro.
Quem a teria perseguido?
(...)
Só podia ser mesmo dona Teodora.
Na época em que se sucederam os episódios anteriormente relatados, é certo que a menina não conseguisse avaliar o quanto era querida pela avó.
Depois de ter completado os quinze anos, e ainda sob o impacto do falecimento de dona Teodora, pôde entender que ela a estivera observando durante todo o tempo... Só ela compreendia o sofrimento que tanto pesava ao seu coração. E apenas ela encheu-se de tristeza ao vê-la sofrendo.
Por isso dona Teodora a seguiu sem que fosse notada, e com todas as dificuldades que a caminhada lhe impunha... Apoiou-se na bengala e guiou-se pelas paredes até alcançá-la.
(...)
O que dona Teodora disse à neta?
Primeiro exigiu que ela se levantasse... Houve resistência.
Depois sentenciou que ela havia fugido e se escondido para “chorar de inveja das feiosas”.
Helena registra em seu diário que sequer esboçou resposta e sua alma já se sentiu curada... Na sequência, a avó emendara que não podia entender como uma garota inteligente como ela não compreendia as “coisas”.
O que Helena devia compreender”?
Dona Teodora explicou que aquela “festa pública” para a qual as primas estavam sendo enfeitadas era uma “festa desses tontos”... Sendo assim, uma menina “bonita, inteligente e de raça inglesa não podia tomar parte”.
Festejar a República? Aquilo era uma “bobagem sem tamanho”!
Dona Teodora prosseguiu em suas advertências à neta... “República é coisa para gentinha”! As pessoas “direitas” não participavam daquilo! Todos sabiam que seu Alexandre era monarquista... Não sendo um “vira-casacas” qualquer, “não deixaria a filha sair para a rua fazendo papel de tola numa festa de malucos”!
Por fim, a avó disse à menina que não havia motivos para tristeza ou inveja “das outras”, pois ela era superior a todas elas.
Helena levantou-se... A avó a convenceu a lavar o rosto e deu motivos para que ela desse boas risadas.
Em pouco tempo já não havia sinais de que tivesse chorado... Ninguém notou.
(...)
Helena nunca soube como agradecer a sensibilidade e bondade da avó.
Ela lembra que na ocasião comparou dona Teodora à Nossa Senhora. Suas palavras a reconfortaram e jamais foram esquecidas.
Só mesmo a avó, dotada de extrema bondade, poderia reconhecer seus infortúnios sem que precisasse se pronunciar... Só a boa senhora sabia como orientá-la a trilhar o bom caminho.
(...)
Dona Teodora se foi. Sua morte foi muito sentida por Helena. Uma perda irreparável.
Quem ouviria seus desabafos? Quem a estimularia nos estudos?
Quem a consolaria a partir de então?
Leia: Minha Vida de Menina. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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