Estamos no ponto em que Helena cita o episódio de sua infância marcado por profunda dor que sentiu por considerar-se preterida em relação às primas.
Em seu diário, nos registros de 3 de setembro de 1895, data da morte de sua querida avó, lembrou de um desfile em comemoração ao dia da Proclamação da República... Os oficiais do batalhão recorreram à família de dona Teodora solicitando a participação de duas de suas crianças para a composição da “ala dos estados”.
Helena entristeceu-se por não ter sido escolhida. Invejou as primas, o modo como foram vestidas e se tornaram o centro das atenções. Envergonhada e cheia de amargura, retirou-se da casa às pressas para chorar no gramado do terreno atrás da igreja.
Enquanto chorava, notou que a ponta de uma bengala tocava-lhe o ombro.
Quem a teria perseguido?
(...)
Só podia ser mesmo
dona Teodora.
Na
época em que se sucederam os episódios anteriormente relatados, é certo que a
menina não conseguisse avaliar o quanto era querida pela avó.
Depois de ter
completado os quinze anos, e ainda sob o impacto do falecimento de dona Teodora,
pôde entender que ela a estivera observando durante todo o tempo... Só ela
compreendia o sofrimento que tanto pesava ao seu coração. E apenas ela
encheu-se de tristeza ao vê-la sofrendo.
Por isso dona Teodora
a seguiu sem que fosse notada, e com todas as dificuldades que a caminhada lhe
impunha... Apoiou-se na bengala e guiou-se pelas paredes até alcançá-la.
(...)
O que dona Teodora
disse à neta?
Primeiro exigiu que
ela se levantasse... Houve resistência.
Helena registra em seu diário que sequer esboçou resposta e sua alma já
se sentiu curada... Na sequência, a avó emendara que não podia entender como
uma garota inteligente como ela não compreendia as “coisas”.
O que Helena devia compreender”?
Dona Teodora explicou
que aquela “festa pública” para a qual as primas estavam sendo enfeitadas era
uma “festa desses tontos”... Sendo assim, uma menina “bonita, inteligente e de
raça inglesa não podia tomar parte”.
Festejar a República? Aquilo era uma “bobagem sem tamanho”!
Dona
Teodora prosseguiu em suas advertências à neta... “República é coisa para
gentinha”! As pessoas “direitas” não participavam daquilo! Todos sabiam que seu
Alexandre era monarquista... Não sendo um “vira-casacas” qualquer, “não
deixaria a filha sair para a rua fazendo papel de tola numa festa de malucos”!
Por fim, a avó disse
à menina que não havia motivos para tristeza ou inveja “das outras”, pois ela
era superior a todas elas.
Helena
levantou-se... A avó a convenceu a lavar o rosto e deu motivos para que ela
desse boas risadas.
Em pouco tempo já não
havia sinais de que tivesse chorado... Ninguém notou.
(...)
Helena nunca soube
como agradecer a sensibilidade e bondade da avó.
Ela lembra que na
ocasião comparou dona Teodora à Nossa Senhora. Suas palavras a reconfortaram e
jamais foram esquecidas.
Só mesmo a avó,
dotada de extrema bondade, poderia reconhecer seus infortúnios sem que
precisasse se pronunciar... Só a boa senhora sabia como orientá-la a trilhar o
bom caminho.
(...)
Dona Teodora se foi. Sua morte foi muito sentida por Helena. Uma perda
irreparável.
Quem ouviria seus desabafos? Quem a estimularia nos estudos?
Quem
a consolaria a partir de então?
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/07/minha-vida-de-menina-de-helena-morley_17.html
Leia: Minha
Vida de Menina. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto