É bom que se saiba que foram feitas correções em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/09/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_12.html.
O episódio na estalagem (quando ouviu a conversa do Gonçalves com o senhor Matias a respeito da “inglesa do barão”, passou por ela no corredor e teve os pensamentos invadidos por sua imagem e perfume durante a noite) marcou o que podemos chamar de “primeira tentação da carne” que aconteceu ao Teodorico.
(...)
Os registros sobre suas
memórias da época da infância salientam a rigorosidade religiosa do cotidiano
da tia Maria do Patrocínio. A sisudez da mulher era resultado de suas
convicções na doutrina católica. O casarão no Campo de Santana frequentado por
padres era como que uma extensão da igreja.
Dona Maria do Patrocínio das Neves só enxergava a possibilidade de
salvação para o sobrinho órfão a partir de sua conversão espiritual. Desde que
o recebera tratou-o com todo rigor. Ela não tinha a menor ideia de que as “tentações
da carne” se tornariam uma constante na vida do menino.
(...)
Provavelmente
a partir das orientações dos religiosos mais próximos, Dona Maria do Patrocínio
decidiu que Teodorico devia ingressar no colégio em Santa Isabel aos nove
anos...
Como vimos, o interno
Crispim sentiu-se atraído por ele e em várias oportunidades o assediava. Talvez
a fragilidade do pequeno Teodorico o impedisse de resistir, mas não se pode
garantir que ele desprezasse completamente o outro.
(...)
Uma
vez por mês a criada Vicência aparecia no internato. Ela o buscava para passar
o dia com a tia Patrocínio... Era sempre num domingo. Após a missa, certo
Isidoro Júnior examinava seu asseio, principalmente as condições de seus ouvidos
e unhas. Diversas vezes este tipo se enfurecia e o ensaboava reclamando da sujeira
“sebosa”. Depois, quando estava para entregá-lo à criada, chamava-o de “querido
amiguinho” ao mesmo tempo em que transmitia à Vicência seus cumprimentos à Dona
Maria do Patrocínio.
No caminho, Teodorico
observava o movimento das ruas... Olhava com atenção o caminhar das mulheres em
suas vestimentas de seda e à caminho da igreja do Loreto, no Largo do Chiado...
Uma loja exibia uma estampa em que se podia ver uma loira num ousado ensaio “recostada
numa pele de tigre” e segurando com seus dedos finos um fio de pérolas... A
nudez o remetia em pensamentos à “inglesa do barão”.
(...)
Os domingos passados
no casarão eram marcados pela monotonia.
Logo que chegava, Teodorico
cumprimentava a tia beijando-lhe a mão... Na sequência, os dois se posicionavam
na rica saleta onde podiam ser apreciadas “litografias coloridas com ternas
passagens da vida puríssima de São José”, o santo de devoção da Titi.
O menino permanecia
por um bom tempo a folhear os exemplares de “Panorama Universal”... A tia, com
semblante e indumentária permanentemente austeros, sentava-se junto à janela,
mantinha os pés numa manta e analisava com atenção um caderno de contas.
Invariavelmente às três horas guardava o caderno e passava perguntar
sobre “doutrina” ao sobrinho... Teodorico respondia às questões, recitava o “Credo”
e os Mandamentos. Fazia isso sem levantar o olhar... Conhecia o “cheiro acre e
adocicado a rapé e a formiga” da beata...
Esse ritual não variava... Podemos imaginar a sisudez da mestra, seu
cheiro “de entorpecer” e a circunspeção exigida pelos temas discorridos pelo
menino.
(...)
Os padres Casimiro e Pinheiro sempre apareciam
para almoçar... O risonho Casimiro o abraçava e gostava de tomar-lhe lições de
latim. Depois da sabatina tecia elogios ao seu talento. O padre Pinheiro
limitava-se a falar bem do colégio dos Isidoros, seu rigor e padrão de ensino
comparável aos melhores da Europa (nem a Bélgica possuía estabelecimento
parecido!).
O padre Pinheiro era mesmo
um tipo entristecido e sempre desconfiado com as condições da própria saúde.
Tinha o costume de posicionar-se em frente ao espelho para analisar demoradamente
a língua.
Durante o jantar, o padre Casimiro incentivava o Teodorico a comer mais
dos apetitosos pratos servidos por Maria do Patrocínio... O Pinheiro dizia que
os jovens eram felizes por não terem problemas de “repetir a vitela”...
Apalpava o estômago e começava uma falação sobre doenças com a dona da casa.
(...)
Era sempre assim... Depois caía a tarde e nas ruas acendiam os
candeeiros a gás. Quase que automaticamente a Vicência colocava o seu xale xadrez
para levar o Teodorico de volta ao colégio.
À
saída sempre encontravam o senhor José Justino... Ele retirava o paletó, fazia
uma graça ao garoto, cumprimentava a criada perguntando-lhe a respeito da saúde
de Dona Patrocínio.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/09/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_71.html
Leia: A
Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto