domingo, 15 de outubro de 2017

“A Relíquia”, de Eça de Queiroz – da “Biblioteca Universal” – conhecendo Miss Mary e dispensando as jaculatórias a São José; encanto recíproco; enamorados passeios ao entardecer

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/10/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_14.html antes de ler esta postagem:

Prestativo, Alpedrinha levantou as persianas para que Teodorico pudesse enxergar o exterior. Ele viu uma praça bem iluminada... No meio havia um monumento a um personagem local (uma escultura de bronze; homem sobre cavalo)...
Havia alguns prédios altos... O criado do hotel apontou para uma esquina onde uma senhora vendia nacos de cana-de-açúcar. Depois indicou a Rua das Duas-Irmãs... Garantiu que ali encontraria consolo para o coração numa “lojinha discreta” com a identificação em tabuleta “Miss Mary, luvas e flores de cera”. E na mesma rua, um pouco mais adiante estava “uma capela nova”, ambiente propício às orações.
Alpedrinha orientou que, caso visitasse a loja de Miss Mary, dissesse  que havia sido indicado por ele.
(...)
Teodorico arrumou-se... Colocou uma rosa no paletó e encaminhou-se para a Rua das Duas-Irmãs... O percurso que fez levou-o primeiro à capelinha... O local era marcado pelo arvoredo ao redor e pelo agradável rumor de água corrente.
O rapaz concluiu no mesmo instante que São José estava ocupado com preces mais urgentes dos devotos de “lábios mais nobres”. Sendo assim, resolveu caminhar até a “lojinha discreta” que tinha em sua fachada uma mão esculpida em madeira.
O “estabelecimento” estava aberto como se estivesse esperando a sua chegada. Nem bem entrou e logo avistou uma jovem acomodada atrás de um balcão. Perto dela havia um vaso com rosas e magnólias. Ela lia um jornal e tinha um gato branco sobre o colo.
Teodorico aprovou seus olhos azuis... Tratava-se de um azul-claro que jamais vira em Lisboa. Também gostou dos cabelos crespos e dourados. Sentia-se convidado a revirá-los carinhosamente com seus “dedos trêmulos”.
A moça era gordinha e sua pele era de uma brancura que se destacava ainda mais por causa da carapinha dourada. Ela sorriu e perguntou se o freguês “queria pelica ou Suécia” (modelos de luvas)...
Para que não houvesse nenhum mal entendido, Teodorico disse rapidamente que trazia “recadinhos do Alpedrinha”... Como se tivesse ouvido uma senha, Miss Mary entregou-lhe um dos botões de rosa. O rapaz esmagou-o com as pontas dos dedos. Ela tornou-se ruborizada e chamou-o “mauzinho”...
Nesse momento, Teodorico concluiu que não teria tempo para jaculatórias a São José... As mãos entrelaçaram-se... Parecia mesmo que os dedos dela serviam de luvas para os dele. A partir de então, os dias que se seguiram em Alexandria foram de prazeres e “delícias muçulmanas” para o peregrino português.
(...)
Mary era natural de Iorque (Inglaterra).
Teodorico apreciava o seu sorriso e meiguice... Passou a chamá-la Maricoquinhas. Para o erudito Topsius ela se tornou "a nossa simbólica Cleópatra".
Ela apreciava o aspecto do Raposo e sua barba escura. Tratava-o por “portuguesinho valente” e “meu bichinho”... E tanto o adulava que ele dispensou passeios ao Cairo e ao Nilo com os vários monumentos às suas margens só para ficar com ela.
Em vez das excursões, Teodorico dedicava suas manhãs às visitas à Mary.
Permanecia junto ao balcão a contemplá-la enquanto acarinhava o gato.
O portuguesinho valente apaixonou-se... Enamorou-se logo que percebeu que a Maricocas sentia saudade de seus beijos. Sentiu que faria qualquer coisa (percorreria longas distâncias) para estar junto dela.
Tornou-se comum passearem à tarde na companhia de Topsius.
A carruagem percorria as margens do Canal Mamudiê.
A doce e perfumada atmosfera os aproximava cada vez mais.
Leia: A Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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