quarta-feira, 18 de outubro de 2017

“A Relíquia”, de Eça de Queiroz – da “Biblioteca Universal” – Teodorico seguiu amargurado por não mais ter a companhia de Mary; explicações de Topsius sobre a ilha de Faros e o “porto do Eunotos”; buscando conforto junto ao embrulho de papel pardo; começo de um estranho sonho

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/10/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_46.html antes de ler esta postagem:

Mal se retiraram e o doutor Topsius pôs-se a falar a respeito dos locais por onde a carruagem passava...
Teodorico não lhe dava a menor atenção, e é por isso que ficou sem saber que atravessaram a “nobre calçada dos Sete-Estados, que o primeiro dos Lágidas construíra para comunicar Alexandria com a Ilha de Faros” (onde se situava o famoso farol), citada nos versos de Homero...
Com o olhar fixo na porta do Hotel das Pirâmides, que foi ficando cada vez mais distante, o português acenava o lenço para a Maricoquinhas. Enquanto pôde, ela permaneceu com seu belo chapéu ao lado do Alpedrinha a se despedir e também a agitar o lenço branco.
(...)
Logo que ingressou na embarcação, o Raposo deixou-se cair sobre o beliche e se desmanchou num dolorido pranto.
Topsius seguiu animado e procurou incentivar o companheiro a se interessar pelas históricas paragens pelas quais passavam... Muito os Ptolomeus fizeram pela região! Como não se admirar com o “porto do Eunotos”? Houve tempo em que a frota à vela de Cleópatra ancorava junto ao mármore assentado no local.
Até parece que Teodorico tinha condições de prosseguir a viagem dedicando atenção a pontos históricos e turísticos... Retirou-se de perto do alemão, partindo imediatamente para a cabine...
Aconteceu que, enquanto descia a escada, esbarrou numa freira... A religiosa estava atenta às contas (para suas orações) que levava para onde quer que fosse quando foi bruscamente interrompida pelo estranho. O português teve tempo apenas de pedir desculpa (chamou-a “santinha”).
De volta à cama, deitou-se sobre o embrulho de papel pardo e entregou-se ao pranto. A perfumada camisa da Mary era o que restara da intensa paixão experimentada no Egito.
(...)
Durante dois dias o rapaz manteve-se ensimesmado. Abraçou o embrulho de papel pardo e se enrolou num cobertor. Eventualmente Topsius aparecia oferecendo bolachas. Ele recusou qualquer alimento e não quis saber de conversas.
Navegavam as agitadas águas do Mar de Tiro... O erudito companheiro informou que os egípcios o chamavam de “Grande Verde”. Em silêncio, Teodorico procurou em sua memória retalhos de uma das orações que tia Patrocínio indicava para amansar “vagas iradas”.
(...)
Teodorico passou aqueles dias num estado de adormecimento quase que constante.
Houve certa ocasião, ao cair da noite, em que teve um sonho carregado de visões e sensações estranhas... Pareceu-lhe mesmo que seus pés pisavam a terra firme e que podia sentir o aroma das ervas mediterrâneas, como o alecrim.
Viu-se a subir uma montanha íngreme... Adélia o acompanhava... E também a Maricocas, que parecia ter saído do embrulho de papel pardo sem prejudicar o seu belo chapéu ornamentado de magnólias. Tudo muito surpreendente... Mas nada se podia comparar à visão que teve de um tipo nu, que trazia dois chifres à cabeça.
Evidentemente aquele só podia ser o diabo. Os olhos avermelhados da criatura brilhavam como se fossem duas lanternas de intenso fogo. Medonha era a sua cauda, que se movia como serpente por entre as folhas secas. De repente o demônio colocou-se a caminhar com os três.
Teodorico registrou em suas memórias que não sentiu medo... Não ficou aterrorizado, mas ficou chocado ao notar que Adélia não conseguia disfarçar olhares “à potência daqueles músculos”. Então teve de perguntar-lhe se sua imundície chegava mesmo ao ponto de interessar-se pelo diabo.
Chegaram ao alto da elevação. Ali podiam contemplar uma palmeira sem nenhuma formosura. O silêncio local era medonho e a escuridão impedia qualquer vista do precipício. Todavia, mais à frente, o céu parecia abrir-se de modo espetacular... As elevadas altitudes se faziam amareladas como as gemas de ovos.
Esse cenário se completava com uma colina. De onde estavam, viam-na escurecida... Mas dava para distinguir “três cruzinhas em linha, finas e de um só traço”.
O diabo cuspiu um escarro no chão e, na sequência, puxou Teodorico pela manga para explicar que a cruz do meio era a de Jesus, “filho de José, a quem também chamam o Cristo”... Depois emendou que haviam chegado a tempo de “saborearem” a Ascensão.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/10/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_16.html
Leia: A Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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