sexta-feira, 27 de outubro de 2017

“A Relíquia”, de Eça de Queiroz – da “Biblioteca Universal” – no precário Hotel Mediterrâneo; chuva intermitente e nenhuma opção de diversão na “cidade de Nosso Senhor”; Topsius estuda o mapa local e sugere a expedição ao Jordão; cozinha do hotel e começo da refeição da noite

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/10/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_26.html antes de ler esta postagem:

Haviam chegado ao Hotel Mediterrâneo numa chuvosa sexta-feira em que se festejam os Santos Mártires de Évora.
Haveria hospedaria mais precária em Jerusalém?
O quarto lembrava a uma “rígida cela de mosteiro”.
Uma fina parede (um tabique!) revestida por um papel com “ramagens azuis” separava o quarto de Teodorico e Topsius do cômodo vizinho. Tudo muito rústico! Paredes rudimentarmente caiadas... O teto abobadado também...
Teodorico cuidou de guardar o embrulho de papel pardo num guarda-roupa de mogno... Esse móvel era o que havia de mais sofisticado no quarto. O mais era uma mesa de pinho ocupava o centro. Ela foi ocupada por Topsius, que abriu o mapa da Palestina sobre o seu tampo.
(...)
A fina divisória permitia ouvir o que se passava no outro quarto.
A primeira impressão de Teodorico foi das melhores... Uma voz feminina, bem afinada e macia, cantarolava a “Balada do Rei de Tule” (de Goethe).
(...)
A tarde prosseguiu úmida... Topsius não se importou porque evidentemente a atmosfera estava propícia aos estudos. Dedicava concentrada atenção às estradas da Galileia em seu mapa. Houve momento em que se dirigiu ao companheiro anunciando que, sim, o amigo Raposo estava em Jerusalém! Teodorico observava o próprio aspecto no espelho, passou as mãos na barba e completou animadamente que, de fato, “o belo Raposo” estava mesmo em Jerusalém.
Mas pelo menos por aquele momento não havia razões para se animar... Pela vidraça, o português notou a insistente chuva... Distinguiu “as paredes brancas de um convento silencioso” e pôs-se a contemplar os incontáveis telhados das imediações... A cor de lodo predominava e a maioria das habitações parecia definhar na precariedade.
Do outro lado havia uma encosta que também abrigava casebres bem sujos. A névoa úmida tornava a visão do pobre casario ainda mais deprimente. Uma precária e mal elaborada viela servia de passagem para frades humildes que calçavam humildes sandálias... Era com todo cuidado que carregavam seus guarda-chuvas enquanto caminhavam...
(...)
De sua posição, Teodorico também podia ver muitos judeus e beduínos apressados.
Para ele, aquelas paragens e a atmosfera dominante não podiam ser piores...
Subitamente virou-se para Topsius para protestar. Aquilo era mesmo um horror! O Alpedrinha tinha razão... Jerusalém era pior do que Braga! Pelo visto, passeios estavam completamente fora de cogitação. Bilhar? Teatro? Nada disso!
Topsius ouviu pacientemente as reclamações do outro que esperava mais da “cidade de Nosso Senhor”. Então respondeu que , nos tempos de Jesus, Jerusalém havia sido “mais divertida”.
(...)
Talvez na intenção de sugerir algo que pudesse proporcionar alguma ocupação, o alemão disse que no domingo percorreria as margens do Rio Jordão... Evidentemente estaria dedicado aos seus “estudos sobre os Herodes”... Argumentou que Teodorico poderia banhar-se nas “águas santas”, conhecer Jericó e ainda se divertir atirando em perdizes.
O Raposo topou o programa. Aquilo era melhor do que o marasmo experimentado até então.
(...)
Uma sineta modorrenta chamou os hóspedes para a refeição da noite.
Teodorico e Topsius se encaminharam para o refeitório que também tinha o teto abobadado... Ali o piso era revestido de ladrilhos. As mesas eram simples como os demais móveis e sobre elas ajeitaram pequenos vasos com flores de papel.
Os dois estavam sós quando a sopa chegou... O caldo era simplesmente insípido e mais uma vez o português protestou. Mas que maçada!
Leia: A Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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