Haviam chegado ao Hotel Mediterrâneo numa chuvosa sexta-feira em que se festejam os Santos Mártires de Évora.
Haveria hospedaria mais precária em Jerusalém?
O quarto lembrava a uma “rígida cela de mosteiro”.
Uma fina parede (um tabique!) revestida por um papel com “ramagens azuis” separava o quarto de Teodorico e Topsius do cômodo vizinho. Tudo muito rústico! Paredes rudimentarmente caiadas... O teto abobadado também...
Teodorico cuidou de guardar o embrulho de papel pardo num guarda-roupa de mogno... Esse móvel era o que havia de mais sofisticado no quarto. O mais era uma mesa de pinho ocupava o centro. Ela foi ocupada por Topsius, que abriu o mapa da Palestina sobre o seu tampo.
(...)
A
fina divisória permitia ouvir o que se passava no outro quarto.
A primeira impressão
de Teodorico foi das melhores... Uma voz feminina, bem afinada e macia, cantarolava
a “Balada do Rei de Tule” (de Goethe).
(...)
A tarde prosseguiu
úmida... Topsius não se importou porque evidentemente a atmosfera estava
propícia aos estudos. Dedicava concentrada atenção às estradas da Galileia em
seu mapa. Houve momento em que se dirigiu ao companheiro anunciando que, sim, o
amigo Raposo estava em Jerusalém! Teodorico observava o próprio aspecto no
espelho, passou as mãos na barba e completou animadamente que, de fato, “o belo
Raposo” estava mesmo em Jerusalém.
Mas pelo menos por
aquele momento não havia razões para se animar... Pela vidraça, o português
notou a insistente chuva... Distinguiu “as paredes brancas de um convento silencioso”
e pôs-se a contemplar os incontáveis telhados das imediações... A cor de lodo
predominava e a maioria das habitações parecia definhar na precariedade.
Do outro lado havia uma encosta que também abrigava casebres bem sujos.
A névoa úmida tornava a visão do pobre casario ainda mais deprimente. Uma precária
e mal elaborada viela servia de passagem para frades humildes que calçavam
humildes sandálias... Era com todo cuidado que carregavam seus guarda-chuvas enquanto
caminhavam...
(...)
De sua posição, Teodorico também podia ver muitos judeus e beduínos
apressados.
Para ele, aquelas paragens e a atmosfera
dominante não podiam ser piores...
Subitamente virou-se
para Topsius para protestar. Aquilo era mesmo um horror! O Alpedrinha tinha
razão... Jerusalém era pior do que Braga! Pelo visto, passeios estavam
completamente fora de cogitação. Bilhar? Teatro? Nada disso!
Topsius ouviu pacientemente as reclamações do outro que esperava mais da
“cidade de Nosso Senhor”. Então respondeu que , nos tempos de Jesus, Jerusalém havia
sido “mais divertida”.
(...)
Talvez
na intenção de sugerir algo que pudesse proporcionar alguma ocupação, o alemão
disse que no domingo percorreria as margens do Rio Jordão... Evidentemente
estaria dedicado aos seus “estudos sobre os Herodes”... Argumentou que
Teodorico poderia banhar-se nas “águas santas”, conhecer Jericó e ainda se
divertir atirando em perdizes.
O Raposo topou o
programa. Aquilo era melhor do que o marasmo experimentado até então.
(...)
Uma
sineta modorrenta chamou os hóspedes para a refeição da noite.
Teodorico e Topsius se encaminharam para o refeitório que também tinha o
teto abobadado... Ali o piso era revestido de ladrilhos. As mesas eram simples
como os demais móveis e sobre elas ajeitaram pequenos vasos com flores de
papel.
Os
dois estavam sós quando a sopa chegou... O caldo era simplesmente insípido e
mais uma vez o português protestou. Mas que maçada!
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/10/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_28.html
Leia: A
Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto