Em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/10/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_20.html foram feitas algumas considerações sobre o longo devaneio do protagonista enquanto a embarcação se aproximava da Palestina. Talvez seja interessante retomá-las também.
A narrativa que segue dá início ao relato de outro delírio experimentado por Teodorico... Sem dúvida este é dos mais polêmicos porque o levou à Jerusalém do dia da Paixão de Cristo.
(...)
Teodorico dormiu profundamente...
Seus registros dão
conta de que umas duas horas depois certa claridade trêmula penetrou em sua
tenda... Uma voz cheia de lamentos o chamou ordenando para que se levantasse e
partisse para Jerusalém.
Ele se assustou... Puxou a manta e esforçou-se para visualizar quem o
despertava... Viu Topsius que se orientava na escuridão à luz de uma delicada vela...
Pôde notar a mesa repleta de garrafas que haviam esvaziado horas antes.
O
alemão estava pronto para cavalgar e apressava o amigo português garantindo que
tinha antecipado a arrumação das éguas. Avisou que no dia seguinte celebrava-se
a Páscoa e que tinha a intensão de entrar em Jerusalém no início da manhã.
Teodorico protestou e quis saber se era mesmo necessário partir daquela maneira
brusca... Não tinham sequer os alforjes organizados! Sairiam sem dar a menor
satisfação aos demais?
Topsius vestia uma
capa branca... Abriu os braços e explicou que o dia que estava para nascer
correspondia a 15 do mês de Nizam... O companheiro português devia saber que “desde
que as tribos voltaram da Babilônia” para aquelas paragens não ocorrera nenhum
outro dia tão excepcional.
O
alemão esclareceu que precisava estar em Jerusalém para assistir aos
acontecimentos que marcavam páginas especiais do Evangelho. Sua intenção era a
de passar a Páscoa na casa de certo Gamaliel. Este era amigo de Hilel (um antigo
conhecido de Topsius), versado em grego, patriota e “membro do Sanedrim (Sinédrio).
Ainda a respeito de Hilel,
Topsius acrescentou que houve certa ocasião em que este afirmou que "para
te livrares do tormento da dúvida, impõe-te uma autoridade"...
Depois dessas
justificativas, o erudito Topsius voltou a apressar Teodorico. O português
passou então a calçar as botas apropriadas para a inesperada cavalgada.
(...)
A luz avermelhada
dava sinais de que não duraria muito mais... Teodorico teve tempo apenas de
agasalhar-se com o manto árabe... Sequer apanhou o relógio ou a faca espanhola
que mantinha sob o travesseiro durante as noites.
Calculou que devia
ser meia-noite... Na atmosfera havia um perfume de pomar e flor de laranjeira. Ao
longe alguns cães latiam... Talvez defendessem a propriedade de seus donos.
No instante mesmo em que montou, o rapaz notou que o céu estava
esplendoroso... Sobre o Monte Nebo via uma estrela de luz branca e faiscante.
Admirou-a e pensou se ela não tinha um segredo qualquer para revelar-lhe.
Da direção da fonte do Eliseu vinha o clarão das estrelas da Síria...
Aquilo possibilitava visualizar brancas muralhas de uma cidade nova com seus
templos cercados por bosques... Desde uma de suas altas torres uma chama podia
ser notada... Pontas de lanças brilhantes... Uma das construções que se destacavam
certamente era o aqueduto. As fortalezas que a protegiam era referência também
para a aldeia adormecida em meio às palmeiras.
Topsius estava engajado nos preparativos da
partida. Teodorico sabia que o companheiro podia informar a respeito daquela
visão embranquecida pela luz das estrelas... Perguntou e no momento em que
iniciavam a marcha o alemão respondeu que se tratava de Jericó.
(...)
O começo da viagem
foi marcado pelo silêncio...
Teodorico notou que a estrada era bem conservada, revestida de “lajes
negras de basalto”... Bem superior aos caminhos que levavam a Canaã...
E
não era só isso... Além da estrada, as pedras do caminho e a “palpitação das
estrelas” pareciam bem diferentes.
Tudo se mostrava
diferente. O próprio Teodorico se sentia diferente!
Faíscas escapavam das
ferraduras das éguas... Insensível, Topsius se concentrava na marcha...
Sua
capa branca se agitava conforme trotavam. Era como se carregasse duas bandeiras
que tremulavam ao sabor da ventania.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/11/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_72.html
Leia: A
Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto