terça-feira, 12 de dezembro de 2017

“A Relíquia”, de Eça de Queiroz – da “Biblioteca Universal” – o velho Osânias e suas insinuações sobre a conduta do Rabi aprisionado, sempre cercado de “fêmeas pagãs”; Gamaliel concorda e sustenta que o Rabi desprezava a lei; o essênio Gade defende o líder espiritual

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/12/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_10.html antes de ler esta postagem:

Gamaliel não aprovou as considerações de Osânias sobre o interesse de Cláudia em relação ao Rabino feito prisioneiro. A ideia de que ela o protegia com intenções impudicas levou-o a amaldiçoá-la.
Também o tipo que estava ensimesmado sob o capuz sentiu-se incomodado pelas palavras do filho de Beotos. Este que procurava manter-se reservado e em oração chamava-se Gade e pertencia à seita dos essênios. Subitamente levantou a face e seus olhos azuis pareceram fulminar o ambiente. Após alguns segundos voltou a fechá-los e murmurou pausadamente que “o Rabi é casto!”
Osânias soltou uma gargalhada... Mostrou-se admirado com a afirmação e pôs-se a problematizá-la. Perguntou sobre certa Magdalena, uma galileia que viveu no Bairro de Bezeta, e que durante as festas do Prurim (Purim) juntava-se a várias prostitutas gregas em frente ao teatro de Herodes...
Na sequência, o velho citou outras mulheres: Joana, esposa de Cosna, que cozinhava para o Antipas; Susana, de Efraim, que todos sabiam que o seguira à Cesareia numa noite em que sequer se importou com os afazeres domésticos, tendo abandonado os filhos à própria sorte...
(...)
O que ostentava a espada com pedrarias à cintura chamava-se Manassés. Ele também se manifestou a respeito das palavras de Osânias... Perguntou em tom de advertência como ele podia conhecer em detalhes “as incontinências de um Rabi galileu, filho das ervas do chão e mais miserável que elas”... Acrescentou que seria compreensível se se referisse ao legado imperial, Élio Lama.
Maliciosamente, Osânias respondeu que os “puros herdeiros de Judas de Galaonítida”, patriotas como os que se encontravam na casa de Gamaliel, não poderiam acusar aos saduceus, como ele próprio, de só conhecerem o que se passava no átrio dos sacerdotes ou nos terraços da casa de Hanão.
Na sequência, depois de tossir roucamente, emendou que foi exatamente na casa de Hanão que ouviu de Menahem algumas maledicências a respeito do Rabi da Galileia... Inclusive que ele tocava “fêmeas pagãs” e outras consideradas “mais impuras do que porcos”... E mais! Certo levita o vira, quando percorria a estrada de Siquém, levantar-se com uma samaritana “detrás da borda de um poço”.
Gade, que novamente se cobrira com o capuz e se acomodara silenciosamente a um canto, não suportou o relato ofensivo ao Rabi... No mesmo instante levantou-se e soltou um grito de horror que transtornou os presentes.
(...)
Gamaliel o olhou com severidade e observou que o Rabi contava trinta anos e ainda não se casara... Ninguém podia explicar que tipo de trabalho o sustentava... Acaso lavrava algum campo? O certo é que vivia a perambular pelos caminhos e “mulheres dissolutas” deviam oferecer-lhe uma ou outra refeição.
O anfitrião, que também era doutor da lei, questionou a respeito daqueles que o Rabi via com tão bons olhos... Afinal, o que os jovens imberbes de Sibáris e Lesbos andavam a fazer pela Via Judiciária o dia inteiro? Depois quis que Gade refletisse sobre o fato de ele e seus companheiros essênios abominarem tipos como aqueles... Tanto é que não disfarçavam a rejeição que nutriam e corriam à cisterna mais próxima para lavar as vestes sempre que sentiam que haviam sido roçados por um deles!
Gamaliel deu a entender que a questão era das mais sérias. Então fez novas referências às palavras do velho Osânias e perguntou: quem poderia colocar-se acima de Jeová?
Ele mesmo quis deixar claro que “só Jeová é grande!”. E em tom de acusação garantiu que, no entanto, o Rabi Jeschoua demonstrava desprezo à lei sempre que concedia perdão às mulheres adúlteras.
Na opinião de Gamaliel, Ele parecia ceder “à frouxidão de sua moral e não à abundância de sua misericórdia”.
(...)
Gade o ouviu em silêncio... Mas logo levantou os braços e quis redarguir afirmando que o Rabi fazia milagres...
Leia: A Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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